Em dezembro último, governador Wagner entregou certificados aos concluintes do Topa
A iluminação é parca na sala de aula da Associação Feminina Beneficente, bairro de Mata Escura. Um desabamento no gesso do teto afetou a fiação da rede elétrica, deixando a sala às escuras. Os 16 alunos de Severina Nascimento, alfabetizadora do programa Todos Pela Alfabetização (Topa), ficaram sem aulas. No Clube de Mães do Calafate o problema é outro: falta um espaço adequado. Com o colégio do bairro em recesso, as aulas de oito turmas de alfabetização foram interrompidas há 23 dias.
E não são só estas as adversidades enfrentadas por quem está na base do programa proclamado pelo governo baiano como o maior projeto de alfabetização do País. Diferente do cenário pintado pela publicidade oficial, a execução do Topa tem sido marcada por problemas que vão desde a estrutura física das salas de aula à falta de merenda, material didático e transporte.
Implantado em outubro de 2007, o Topa nasceu com a meta de alfabetizar um milhão de baianos até dezembro de 2010. O programa realizou as duas primeiras etapas e atendeu a 460 mil alunos, segundo a Secretaria de Educação. A terceira etapa está com 482 mil matriculados e funcionará concomitantemente à quarta, que deve abrir para matrículas em março e incluir mais 300 mil alunos. Mais do que concretizar uma meta estabelecida, o Topa tem como desafio superar os entraves que resultaram em baixas execuções física e orçamentária do programa nos últimos dois anos. Segundo dados do Portal Transparência Bahia, da Secretaria da Fazenda do Estado, a execução financeira do Topa em 2009 foi de 36,16%, com a aplicação de R$ 23,07 milhões, dos R$ 63,82 previstos no orçamento.
A maior parte dos recursos é repassada pelo Ministério da Educação, que custeiam da formação dos professores e dos coordenadores, à compra de merenda escolar, material didático e pedagógico, além de transporte para os alunos.
Deficiências – Em Amaralina, a Associação de Mães e Adolescentes Carentes do Nordeste foi uma das sedes da segunda etapa do Topa. Foram oito meses de aula sem transporte, merenda, nem material escolar para os alunos. No Calafate, a situação foi a mesma: “Nos prometeram um kit com mochila, lápis, borracha e caderno para cada aluno. Como não chegou, a gente foi levando com o material que os próprios alunos traziam”, explica Alberto Cerqueira, coordenador do Topa na região.
Segundo a Secretaria de Educação, percalços no processo licitatório atrasaram a entrega do material. “As empresas que contratamos entregaram material de baixíssima qualidade, mandamos devolver”, explica a coordenadora-geral do Topa, Francisca Elenir. O resultado foi um gasto de R$ 5,5 milhões – 97,81% do orçado – para atender a somente metade dos alfabetizandos.
Os números de 2008 revelam uma execução ainda menor. Segundo o relatório de contas do Tribunal de Contas do Estado, a distribuição de material didático ficou em 46,32%, a formação foi dada a 8.101 dos 25.479 alfabetizadores. Já o suprimento de material ficou em apenas 18,38%, atendendo a 80 mil dos 435.250 alfabetizandos. O transporte escolar, com orçamento de R$ 3,1 milhões, sequer foi iniciado. Os dados são refutados pela Secretaria de Educação. “Estes dados não conferem”, disse Francisca Elenir.
As principais queixas, no entanto, ficam por conta da falta de pagamento ou atrasos nas bolsas de alfabetizadores, coordenadores e tradutores da língua de sinais. Estes repasses são feitos diretamente aos bolsistas pelo MEC, através da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), de acordo com os lotes de recursos. “Em dezembro, o MEC mandou comunicado informando que os lotes de pagamento não tinham sido liberados, porque eles estavam sem dinheiro”, explica Francisca Elenir.
A TARDE apurou casos de uma alfabetizadora que não recebeu uma bolsa sequer durante todo o ano passado e de outras duas que ainda têm parcelas por receber. A reportagem questionou o MEC sobre o assunto, mas não houve resposta até o fechamento da edição.
Denúncias – A coordenadora- geral do Topa admite que já foram constatados casos de fraude no programa e cita o caso dos municípios de Caldeirão Grande e Lage dos Negros, em que as entidades cobravam o repasse de parte da bolsa dada a coordenadores e alfabetizadores. “Este é o maior programa de alfabetização do País. Obviamente, as maiores denúncias vão estar aqui, os maiores problemas vão estar aqui. Temos uma capilaridade muito grande”.
Também foram realizadas denúncias sobre a existência de turmas fantasmas no município de Medeiros Neto, que Francisca Elenir garante que não são verdadeiras e sim, fruto de divergências políticas locais. No entanto, não garante a inexistência de outros casos de turmas fantasmas: “Pode ter acontecido, mas não tive conhecimento. Se detectarmos, suspendemos as bolsas e repasses”.
As denúncias de turmas fantasmas resultaram numa auditoria, realizada pela FNDE na Bahia no final do ano passado. Segundo a assessoria de comunicação da fundação, os auditores não encontraram irregularidades e por isso não foi feito um relatório da investigação.
João Pedro Pitombo, do A TARDE
Luciano da Matta / Agência A TARDE
Deixe seu comentário