Sem a tropa de choque, Ricardo Teixeira está isolado

Dirigente não tem mais o anteparo do quarteto que sempre o ajudou a driblar polêmicas e acusações

RIO – Em 16 de janeiro de 1989, Ricardo Teixeira chegou de táxi à antiga sede da Confederação Brasileira de Futebol, na Rua da Alfândega, centro do Rio. Teve de esperar alguns minutos até se acomodar no auditório do nono andar do prédio. Esperava o início de uma eleição já definida. Em discurso rápido e pomposo, Eduardo Viana, da Federação de Futebol do Rio, pediu que seus pares aclamassem Teixeira como presidente da CBF. O outro candidato, Otavio Pinto Guimarães, retirara a candidatura horas antes.

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Em busca de apoio político, Teixeira tentou se aproximar de seu desafeto Nabi Abi Chedid, que presidira a CBF por um curto período em 1988 e era um homem com trânsito livre nas federações estaduais, sempre afeito a reuniões em restaurantes de luxo e que jamais admitia dividir a conta. Nabi viveu quase uma década como uma sombra para Teixeira. Chegou a acusá-lo de ter assumido o poder em 1989 graças a uma campanha “jamais vista na história da CBF, com farta distribuição de recursos às federações”.

Os dois afinaram interesses e estratégias ao longo dos anos 90. Desde então, o ex-presidente do Bragantino passou a ser um dos seus grandes aliados e anos mais tarde se tornou vice-presidente da CBF da Região Sudeste.

Na entidade, o presidente montava sua equipe com rigor. Escolheu o tio, Marco Antônio Teixeira, como secretário-geral. Era o seu braço direito, a quem delegava as missões mais espinhosas – filtrar por exemplo as reivindicações das federações.

Compôs o grupo com um amigo de poucas palavras, mas atuante nos bastidores, Melquíades Mariano, proprietário de alguns motéis no centro e zona oeste da cidade e muito cortejado por dirigentes de clubes e federações que agendavam reuniões de uma hora na CBF e esticavam a estada no Rio por dois ou três dias.

Aos poucos, Teixeira se consolidava na CBF e atraía parceiros para associar a imagem à seleção brasileira. Em 1996, a Nike fechou contrato milionário com a entidade – em vigor até hoje, os valores atuais somam US$ 45 milhões (cerca de R$ 77 milhões por ano). Depois, vieram outras empresas de ponta. Com a receita dos dez patrocinadores em curso, a CBF recebe anualmente quase R$ 300 milhões.

Suspeitas de crimes de lavagem de dinheiro, apropriação indébita e sonegação fiscal levaram a investigações da Justiça contra Teixeira, a partir de duas CPIs, uma na Câmara e outra no Senado, criadas em 2000 e 2001 para mergulhar no submundo do futebol. Durante anos, ele viveu dias agitados, reforçou o escritório da CBF em Brasília, passou a intensificar o lobby com políticos de todos os partidos e fez da seleção brasileira produto de barganha para formar a “bancada da bola”.

Na prática, o modelo funcionava assim: a CBF programava um amistoso da seleção em determinada cidade em troca do apoio no Congresso dos políticos mais influentes daquela praça. Eduardo Viana adulava parte importante da bancada federal do Rio em apoio a Teixeira. Nabi fazia o mesmo em São Paulo. Teixeira atravessou a fase turbulenta sem que nenhum movimento interno o ameaçasse. Clubes e federações já eram reféns dos cofres cheios da CBF.

Nem mesmo o fiasco do Brasil na Copa de 2006, depois de uma preparação tumultuada na cidade suíça de Weggis, abalou o presidente da CBF. Naquele ano, o que lhe atormentou e baqueou profundamente parecia não ter relação direta com a entidade. Ricardo Teixeira acusou o golpe para os mais próximos. Chorou a morte dos seus dois melhores interlocutores: Eduardo Viana, em agosto, e Nabi Abi Chedid, em novembro. Em julho de 2007, o dirigente perdeu outro aliado de peso – Melquíades Mariano, vítima de câncer.

No final de 2007, a escolha do Brasil como sede do Mundial atenuou a dor pela perda dos amigos. Teixeira contou com o empenho de seu ex-sogro João Havelange e promessas e compromissos do então presidente Lula para convencer a Fifa de que o País realizaria um grande evento. Ao mesmo tempo em que comemorava a decisão, a CBF abafava uma crise interna que opunha Teixeira ao tio Marco Antonio. Eles romperam relações e passaram a se evitar.

Uma versão corrente na entidade sugere que isso se deu após o Mundial de 2006. Marco Antonio foi o responsável pela fase tumultuada de treinos em Weggis, quando a seleção não encontrou sossego na preparação para a Copa. Há também fortes indícios de que uma briga interna, na família Teixeira, teria acelerado a ruptura. No mês passado, o presidente demitiu o parente da secretaria-geral da CBF.

Marco Antonio atuou por muitos anos como mestre de cerimônias da antessala de Ricardo Teixeira. Não deixava que pequenos problemas de federações ocupassem o tempo do presidente. Liberava verbas, contornava crises e determinava a outros diretores da CBF que resolvessem, por exemplo, questões ligadas à documentação de transferência de atletas e parcelamento no pagamento de multas impostas pela justiça esportiva.

As desavenças entre os dois deixaram Ricardo Teixeira isolado. Manteve a equipe de diretores operacionais, mas não tinha mais ao lado quem o poupasse de uma demanda crescente de cobranças em razão, principalmente, da proximidade da escolha das 12 sedes da Copa.

Parlamentares e respectivos presidentes de federações exerceram pressão na CBF a favor de seus Estados. Teixeira saiu-se bem nas desculpas, atribuindo à Fifa a exclusividade pelas decisões. Nos bastidores, articulava a definição de quais cidades receberiam jogos no Mundial.

Antes mesmo do pequeno levante de federações que tentaram convocar assembleia semana passada para frear uma suposta investida do presidente da Federação Paulista de Futebol, Marco Polo Del Nero, ao comando do futebol do País, Teixeira sofreu duas vezes com a ausência de seus mais fiéis e notáveis interlocutores.

Em 12 de abril de 2010, dava como definida a eleição de seu candidato Kleber Leite à presidência do Clube dos Treze. Teixeira viu Fabio Koff derrotá-lo por margem pequena de votos e admitiu minutos depois, num restaurante da zona sul carioca, que não soube agir nos bastidores para garantir a vitória de Leite.

Após o fracasso da seleção no Mundial de 2010, outro fato mostrou a desarticulação da equipe de Teixeira para livrá-lo, ao menos, de constrangimentos. O convite a Muricy Ramalho para ocupar a vaga de técnico da seleção chegou à imprensa antes do conhecimento do presidente do Fluminense, Roberto Horcades, que anos antes havia sido o cardiologista de Teixeira.

Ou seja, o presidente da CBF não dispunha de ninguém que pudesse comunicar primeiro a Horcades a intenção de contratar Muricy, então vinculado ao Fluminense. O dirigente do clube esbravejou e não liberou o técnico.

“Além de problemas de saúde (é diabético, e ano passado esteve internado por causa de uma diverticulite), o Ricardo Teixeira sofre muito com esses desgastes, provocados pela falta de uma liderança entre federações e clubes que jogue a seu lado”, disse ao Estado o presidente de uma das federações de futebol mais importantes do País.

Foi por isso, pelo isolamento que recrudesceu após o afastamento de Marco Antonio, que o próprio Teixeira marcou conversas reservadas com cada um dos 27 presidentes de federações antes da assembleia de quarta-feira. Tarefa árdua, com resultados, mas que expôs a nova realidade: ele terá de se virar sozinho para conter descontentes e evitar uma ruptura na CBF.

 

Sílvio Barsetti, de O Estado de S.Paulo