Por: E. Lande
Relendo hoje a crônica expressada pelo estimado amigo e mentor Dr. Ruy Bruno Bacelar de Oliveira, avultada em seu livro “De Caldeirão a Pau de Colher; A Guerra Dos Caceteiros”, texto de 1998, sou compelido a escrever sobre o assunto, porquanto, estou na eminência das tomadas de cenas para o meu segundo longa, cujo título será “Ordem Dos Penitentes”. Estando previstas locações nos sertões da caatinga (faltando-me tão-somente contatos com atores e cooptar apoios culturais).
O roteiro por mim escrito foi baseado em fatos da vida real ocorridos em região do semiárido – uma nova barbárie sobrevinda quarenta e cinco anos após o aniquilamento de Belo Monte em Canudos -, fruto de pesquisa absorvente de fatos originados em Caldeirão CE e Pau de Colher na Bahia, além de inspiração no extraordinário livro do Dr. Ruy.
Procedente de Ilhéus, onde morei por mais de vinte anos, aqui chego montado em meus sonhos fantasiosos, revendo a urbe bucólica e romanesca da ocasião de minha fugaz adolescência. Descobrindo-a agora – quase desiludido – em uma fidedigna metrópole!…
Percorro-a em busca de instituições que cuidem pelo estímulo à cultura, letras e artes, deparando-me, – em desabrido espanto – perante a comprovação de tudo ter-se acabado no caminho do tempo!
O desenvolvimento é implacável para quimeras e as novas pessoas convivem aqui tão-somente iguais a peças de um jogo movido pelo capitalismo selvagem, onde o prêmio maior que aspiram é amparado pelo “boom” imobiliário, o mercantilismo exacerbado e a loucura desse corre-corre em busca de riquezas e o bem-estar social próprio!
Eis que, encurvado pelo tempo e combalido ao peso de minha bagagem, trago comigo adentrando por esses novos chãos que ora percorro, quatro dos meus romances e nova tradução do clássico inglês de Lewis Carroll “Alice” além de dois roteiros cinematográficos.
Apesar disso, igual a um Sol que morre frio no fim do horizonte, acho que nada do que faço terá valor algum ante uma sociedade adepta ao comércio, riqueza e festejos bárbaros. Sobressaindo-se o mau gosto servido ao proveito de “artistas” e elaboradores de tais “artes” para deleite da imensa massa dos amantes da banalidade.
Duas cidades respeitáveis da Bahia – onde morei – são semelhadas nesse particular: Ilhéus tem seu permanente ícone cultural e V. da Conquista também!…
As Terras do Sul consagrou a Jorge Amado como seu garoto propaganda, seduzindo turista, que lá chegam aos milhares, surgido de todas as partes do mundo; uma vez que Amado é conhecido na maior parte do planeta – e talvez fosse até em Marte, se lá estivesse habitado -.
Buscam tais visitadores, uma cultura – fantasiosa certamente – encontrada no texto fabuloso dos romances do autor Grapiuna.
Mas, afastando-se da ficção para a realidade, eis que descobrem lá só um local inculto, poluído de ritmos carnavalescos, ruas sujas e esburacadas, mares contaminados por esgotos da cidade que em suas aguas caem.
Na verdade, os recantos mágicos citados nos livros do grande autor Jorge Amado, nada disso se veem por lá! Tanto “O Bataclan” quanto “Vesúvio” se transformaram em locais de batuques, ou assas comerciais peritas em explorar turistas.
Falando-se culturalmente Ilhéus de hoje parece ter ficado preso a um passado, dentro das páginas dos livros do seu escritor mor, pois, após ele ninguém mais surgiu com igual talento por aquelas plagas igualando-o, em aptidão ou sucesso; coisa que não é de se admirar, pois faltam ali incentivos e inexistem raízes culturais.
Assim quão ao eterno ícone de Ilhéus há outro de igual naipe aqui em V. da Conquista. Trata-se do saudoso cineasta, filho da terra, Glauber Rocha. Este tão-somente nasceu em terras conquistenses, porém, diferentemente de Amado não citou, tampouco fez locações, filmagens, ou utilizou-se de atores conquistenses em sua obra. Não lhe ignoro o talento com pai do cinema novo. Tem filmes importantes como: “Deus e o diabo Na terra Do Sol” e “O Santo Guerreiro Contra o Dragão da Maldade”. É dele a frase “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, ou seja, tirou a câmera do tripé, além de outras inovações na tela, tais como: cenas curtas e descontinuadas. A sua obra, no entanto é bastante polêmica.
Tivemos aqui em Vitória da Conquista outro cineasta, o qual, além de não contar com incentivos, foi relegado ao olvido – tanto na vida, como na morte -. Trata-se do cineasta Tonis Lima, o “Gaguinho”. Foi ele roteirista, ator, e diretor de seus filmes. É verdade sobre a precariedade técnica e artística das suas produções, apesar disso existia um clima de naturalidade sublime nas suas cenas. Assim como aquela que retrata a conto do coveiro que plantava feijão andu em cima das covas dos defuntos e vendendo a safra daquela “agricultura” nas feiras livres da cidade.
Foram cenas assim, que o puseram em dois importantes programas da Rede Globo: “Programa do Gordo” e o “Fantástico”. Instantes alegres em que elevou para o alto o nome de Vitória da Conquista; a mesma cidade que, talvez por um trágico erro do destino, solenemente o esqueceu!
Restou-lhe, pois, tão somente a escuridão eterna do jazigo. Lá, o descanso eterno possa compensar-lhe da ingratidão sofrida em vida. Tonis Lima ficou para a história, sugado que foi no turbilhão de um desenvolvimento furioso, à margem de um progresso que despreza a cultura, artes e seus artistas. Enterrando em valas comuns todos aqueles que almejam fazer a cidade tornar-se mais humana, incluindo-a em um cenário que ampare todas as formas de expressões culturais; as quais, na verdade, almejam um único fim: não apenas inventar o homem bom, mas transformá-lo em melhor!…
Eis aqui – achando-a em alguns pontos tão atual – transcrita n integra a crônica do saudoso Dr. Ruy, escrita nos anos 90.
“VITÓRIA DA CONQUISTA “
“Vivemos na terceira maior cidade da Bahia. Aqui falta tudo, exceto a banalização do mal. Não há indústrias, exceto a da religião, agua é precária, o saneamento idem e não temos ainda boas universidades e escolas,
É a cidade no mundo onde se paga o maior número de impostos. Além de impostos públicos pagamos Aforamento e Laudêmio à Igreja Católica. Isto é, você compra a terra para construir sua casa em mãos da igreja. E este pagamento é eterno. Quem compra sua casa também paga à Igreja e, assim, sucessivamente. Na verdade a Igreja tem um patrimônio imobiliário de mais de 30.000 terrenos.
Uma grande parte da população paga dízimo às Igrejas protestantes que se espalham por toda a cidade. Toda a cultura e vida espiritual se resumem em dois personagens: Deus e Satã. A fé substitui a ciência. “As igrejas estão lotadas de jovens que, com uma bíblia na mão, já encontraram a solução de todos os problemas”.
Fecho o comentário acima do grande cientista que foi o Dr. Ruy com uma lacônica observação minha: se a ciência que fez o homem criar grandes invenções tais como: a eletricidade, o transistor, telescópios para fotografar corpos celestes à milhões de anos luz da terra além de naves espaciais para visitar ouros mundos, ainda não conseguiu desvendar os grandes mistérios na natureza, afirmando com certeza o princípio e o fim das coisas; sem dúvidas, não será através do misticismo que iremos encontra-las!…
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