Entrevista: -“Não precisamos escovar os dentes”, diz o especialista Paul Warren

Paul-Warren-size-620Pesquisa já demonstrou que enxaguante bucal à base de clorexidina poderia substituir as escovas de dente com sucesso

Marco Túlio Pires

(Jupiterimages)

“Durante dois anos, os pacientes só enxaguavam a boca duas vezes por dia. Conseguimos controlar o problema de placa bacteriana e de gengivite”

Paul Warren

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Paul Warren

Há 10 anos, Paul Warren descobriu que era possível viver bem sem escovar os dentes. Ele conduziu uma pesquisa em pacientes, que, durante dois anos, deixaram as escovas de dente de lado e utilizaram somente um enxaguante bucal chamado clorexidina. Resultado: todos os problemas com doenças associadas a bactérias, como cáries e gengivite, foram controlados completamente. Mas o pesquisador britânico descobriu também que, apesar da pouca paciência para escovar os dentes, os seres humanos adoram a sensação de “dever cumprido” após a escovação — e que algumas bochechadas não eram suficientes para substitui-la.

Warren é o vice-presidente de assuntos sobre a saúde bucal da P&G, grupo que controla a marca Oral-B. Ele já escreveu mais de 100 artigos sobre o controle mecânico e químico das bactérias na boca e, na última semana, esteve no Brasil, em Salvador, para o congresso da Associação Mundial Dentária. Warren explicou a VEJA.com porque o enxaguante bucal ainda não está nas prateleiras dos supermercados e como será a escova de dente do futuro.

Escovar os dentes é coisa do passado?

Fizemos uma pesquisa há 10 anos com um enxaguante bucal. Durante dois anos, foi tudo o que os pacientes usaram, duas vezes por dia. Conseguimos controlar o problema de placa bacteriana completamente e com isso acabaram os problemas de gengivite. E se a quantidade de açúcar em contato com os dentes fosse controlada, era possível controlar as cáries também. Contudo, embora as pessoas não tivessem mais que escovar os dentes, elas não gostavam disso. Para elas, limpar os dentes requeria algum esforço e o enxague não era suficiente, mesmo o estudo mostrando que a saúde dos dentes e da gengiva foi preservado nos dois anos durante a pesquisa.

E esse enxaguante foi desenvolvido por vocês?

Não. Trata-se de um enxaguante genérico chamado clorexidina, disponível por meio de receita médica em várias partes do mundo. Ele envolve a superfície do dente com cargas negativas, então, quando uma bactéria se aproxima, ela é repelida por causa da carga do íon que está lá. Como qualquer medicação, existe também um risco associado.

Qual é o problema com a clorexidina?

O problema com esse enxaguante é que ele ajuda na formação de manchas nos dentes. Então, se a pessoa consumir muito café, chá ou vinho tinto, é provável que ela desenvolva um certo nível de manchas nos dentes. Isso, claro, é inaceitável para muitas pessoas. A clorexidina é muito útil para situações onde o paciente não pode escovar os dentes, por causa de uma cirurgia, por exemplo. Mas, para grandes períodos de tempo, os efeitos colaterais não são animadores. Além disso, muitas pessoas não gostaram do gosto, que é bem forte. Eu brinco que se você gosta da bebida Campari, você irá amar clorexidina. A nossa intenção era encontrar algo que pudesse se fixar no dente e impedir a formação de bactérias eliminando a fonte das placas.

A criação de um enxaguante bucal capaz de aposentar a escova de dentes não seria um tiro no próprio pé?

Não acredito que a nossa pesquisa traria esse tipo de consequência. Em primeiro lugar, os resultados mostraram que mesmo controlando as placas com um enxaguante, as pessoas ainda gostariam de escovar os dentes. A impressão é que as pessoas precisam sentir o esforço ao escovar os dentes para se sentirem aliviadas. Como dentista, fiquei feliz por termos conseguido controlar a formação de bactérias apenas com um enxaguante, porque a maioria das pessoas passa apenas 46 segundos escovando os dentes. Todos os nossos estudos mostraram que o tempo médio de escovação é inferior a 50 segundos. E se você gasta menos que dois minutos escovando os dentes, você não está realizando uma higienização adequada.

A clorexidina seria capaz de eliminar a necessidade de utilizar fio dental?

O enxaguante que estudamos não é capaz de eliminar a comida que fica presa entre os dentes. Uma dentição perfeitamente alinhada e distribuída não teria esse tipo de problema, mas como a maior parte das pessoas não possui uma dentição perfeita, a resposta é não.

O enxaguante bucal seria mais barato que escovar os dentes?

Essa é uma questão interessante. Não tenho dados para afirmar que sim. Mas depende de quanto custaria o enxaguante se ele existisse no mercado de massa. Contudo, uma escova de dente é um aparato relativamente barato. É possível adquirir escovas mais sofisticadas que possuem preços variados e uma escova elétrica pode custar até 100 dólares. E honestamente, sob uma perspectiva de eficiência pelo custo, uma escova elétrica é melhor do que uma escova manual.

Vocês continuam na busca por um enxaguante que elimine a necessidade de escovas de dentes?

O clorexidina ainda é o padrão máximo para remoção de placas no que diz respeito a enxaguantes bucais e sabemos que ele possui esses efeitos colaterais com relação ao sabor e formação de manchas. Continuamos buscando outros agentes que pudessem ter a mesma eficácia sem os efeitos colaterais, mas, depois de 15 anos, ainda não encontramos nada. Isso quer dizer que ainda teremos que escovar nossos dentes com uma boa pasta dental e utilizar o fio.

O que podemos esperar para o futuro?

Houve uma pesquisa feita nos EUA ano passado perguntando às pessoas quais cinco objetos elas levariam para uma ilha deserta. O segundo colocado na lista foi a escova de dente. Isso mostra como as pessoas estão ligadas a esse pequeno objeto. Creio que, baseado nas muitas pesquisas que estive envolvido por todos esses anos, temos escovas manuais bastante eficientes se usadas devidamente. Esse é o desafio. Então, acredito que as pesquisas irão apontar para o desenvolvimento de escovas elétricas, uma vez que elas fazem um trabalho melhor em menos tempo.

As escovas elétricas estão por aí há um bom tempo, mas a maioria das pessoas ainda prefere as escovas simples.

Temos que motivar as pessoas para que a utilização seja correta. Por isso, teremos escovas elétricas com algum tipo de mecanismo de resposta, não apenas com uma contagem regressiva a partir de dois minutos, mas demonstrando quais partes da boca devam ser escovadas melhor, se a pressão está correta e assim por diante. Também acredito que as escovas terão uma função diagnóstica. Ou seja, aproveitar todas as informações existentes na saliva da pessoa. Seria possível captar, por meio de chips presentes na escova, informações sobre a sua saúde bucal e geral. Sabemos que a saliva pode mostrar indícios de diabetes e, se há sangramento, pode ser algum sinal de gengivite. O dentista poderia verificar a sua escova e dizer que você precisa se esforçar mais na escovação ou que você apresenta sinais de diabetes, cáries ou gengivite, por exemplo.

E como seria a escovação perfeita?

A primeira coisa a ser notada é a importância da saúde bucal. A boca não é separada do corpo, existe uma relação muito grande entre a saúde do nosso corpo e a saúde bucal. Por isso, uma boca saudável faz parte de um corpo saudável. E para chegar nesse estágio, é preciso existir uma escovação adequada, sistemática, passando em cada um dos dentes cobrindo todas as regiões. É preciso uma escova de dente com uma cabeça pequena para que todas as áreas sejam alcançadas e o mais importante, que você tenha paciência. Se você dedicar pouco tempo de manhã porque está com pressa para o trabalho ou escola, gaste mais tempo à noite para compensar.

http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-precisariamos-escovar-os-dentes-se-quisessemos