“Bahia vive a pior seca dos últimos 100 anos”, diz Vitor Bonfim

Titular da Secretaria da Agricultura da Bahia (Seagri), o deputado estadual licenciado Vitor Bonfim (PDT) reconhece em entrevista exclusiva à Tribuna que a seca que assola o estado é de fato uma das mais severas dos últimos 100 anos, mas ressalta o esforço empenhado pelo Governo do Estado em diminuir os efeitos para os agricultores e produtores rurais

Ele cita como uma das soluções para melhorar em definitivo o escoamento da safra e baratear custos a Ferrovia Oeste Leste (Fiol), que está em fase de conclusão. Prestes a deixar o comando da secretaria por causa do período de desincompatibilização para as eleições de 2018 (quando tentará se reeleger deputado), Vitor Bonfim afirma que não acredita que o governador Rui Costa tiraria a pasta da cota de seu partido, o PDT. “A reforma administrativa já foi implementada pelo governador Rui Costa no mês de janeiro. Eu acredito que a partir dali, nós não teremos mudanças significativas na condução das secretarias e dos espaços políticos no governo”.

Confira íntegra da entrevista.  

 

Tribuna da Bahia – Especialistas dizem que esta é a pior seca dos últimos 100 anos na Bahia. O senhor tem um balanço das perdas na agropecuária? Como anda o rebanho diante desta longa estiagem?
Vitor Bonfim –
 Este período de seca é um dos mais severos e prolongados da história da Bahia. Nos últimos seis anos, de 2011 para cá, a seca tem aumentado e atingido regiões do estado que antes escapavam da crise hídrica. Por exemplo, o oeste do estado sofreu fortemente na safra 2015-2016. Em 2016 e já agora em 2017, regiões do extremo sul do estado sentiram fortemente, prejudicando a lavoura cacaueira com a perda da safra em quase 40%. A gente sabe que isso tem prejudicado a economia agrícola do estado como um todo. Tivemos redução do rebanho de bovinos. Saímos de um rebanho de pouco mais de 14 milhões de cabeças de gado do ano de 2010 para próximo a 11 milhões de cabeças hoje. Vamos ter o número do rebanho mais atualizado no final da campanha de vacinação contra a febre aftosa, que vai de 1º a 31 de maio.
Tribuna – Como têm reagido as bacias leiteiras diante deste fenômeno? Quantos laticínios temos na Bahia hoje? O senhor tem conhecimento de algum que tenha suspendido suas atividades?
Vitor Bonfim –
O trabalho da Adab nos últimos anos proporcionou que nós avançássemos bastante no número de laticínios que possuem o selo de inspeção, tanto o selo de inspeção estadual quanto o selo de inspeção municipal. A gente sabe que essa seca impacta na produção de leite. Os laticínios têm trabalhado com uma capacidade ociosa elevada. Eles trabalham tão somente com 70% da sua capacidade de produção, ficando com 30% de capacidade ociosa. Isso significa menos emprego e menos renda, tanto para a indústria quanto para o produtor. Mesmo com o fomento do Governo do Estado, com esse trabalho de levar a regularização aos laticínios existentes no interior do estado. Com essa seca que tem assolado o estado, a bacia leiteira sente bastante. Para você ter uma ideia, um dos maiores laticínios do estado da Bahia, localizado no extremo sul do estado, o laticínio Da Vaca, tem capacidade de processar 550 mil litros de leite por dia. Hoje eles estão processando 250 mil ou 300 mil litros de leite por dia, no máximo, por causa da seca.

Tribuna – Existe algum plano de ajuda, pelo menos aos pequenos produtores?
Vitor Bonfim –
Não há uma diminuição significativa de matrizes produtoras de leite. É realmente por causa da dificuldade de alimentação. O gado de leite é um gado que exige uma alimentação balanceada, com proteína, com energia. Com esta seca, os custos se elevaram bastante. É você sair de uma saca de milho que custava pouco mais de R$35 para próximo de R$70 hoje. A soja custava entre R$55 e R$60, pulou para próximo de R$90. São dois grãos que compõem a alimentação dos bovinos de leite. O preço do leite não acompanhou esse aumento dos insumos das rações. Então o que acontece? O produtor acaba diminuindo um pouco a ração do animal, e isso impacta na produção do leite. Mas o Estado da Bahia está atento a isso. Eu estive em Brasília na semana passada cobrando do ministro da Agricultura (Blairo Maggi) a publicação da portaria interministerial que vai fixar o preço do milho em R$33 com subsídio do governo federal para o pecuarista baiano e brasileiro poder adquirir um milho mais barato neste momento de seca que a gente atravessa.

Tribuna – A crise e a quebra nacional da safra preocupam muito os produtores. Que cenário o senhor observa na Bahia?
Vitor Bonfim –
O pecuarista e o agricultor são sempre entusiastas. O Estado da Bahia avançou muito nos últimos anos graças à coragem do agricultor baiano. Apesar deste momento difícil que a gente atravessa, o agricultor continua produzindo, continua acreditando que a chuva vai vir e que ele vai conseguir superar esse momento de adversidade. Nós tivemos uma redução de área plantada de algodão. Tivemos uma redução de 43% na produção. Tivemos uma redução de 54% na produção de feijão. Houve uma redução de 42% na safra de milho. A soja caiu 23%. Mas mesmo assim o agricultor baiano sabe que se nós tivermos um ano com uma regularidade pluviométrica, se as chuvas forem mais regulares ao longo da safra 2017-2018, o Estado da Bahia vai voltar a produzir e ter as safras crescentes, como ocorria anteriormente.

Tribuna – O agronegócio é um dos segmentos mais fortes no estado, principalmente na região oeste. Além da seca, a logística continua sendo uma das principais dores de cabeça dos produtores. O que fazer para minorar essa situação?
Vitor Bonfim –
 O Governo do Estado tem buscado levar a solução definitiva para o problema da logística de transporte do nosso estado, que é a conclusão da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol). Você vai interligar o grande celeiro de produção do estado de grãos, que o leste baiano, a região do Matopiba, essa região que compreende os estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e vai ligar essa região produtora de alimentos com o Porto Sul, em Ilhéus. Durante o Carnaval, nosso vice-governador, João Leão (PP), esteve com uma comitiva de empresários chineses viajando por todo o trecho da ferrovia, desde o município de Jaborandi até o município de Ilhéus, concluindo com a visita ao governador Rui Costa (PT). Essa é a solução definitiva que se apresenta para os problemas de produção, escoamento de logística do Estado da Bahia. Apear disso, a gente ainda trabalha muito com o transporte rodoviário. Recentemente foi recuperada uma parte do Anel da Soja, uma parceria do Governo do Estado com o Fundeagro. Enquanto a ferrovia não ficar pronta, a gente vai sofrer e ter um alto custo de transporte rodoviário. A solução definitiva se dará tão somente quando nós tivermos a ferrovia interligando a região oeste ao porto de Ilhéus, e de lá para o resto do mundo.

Tribuna – A queda da produção na região oeste preocupa? Além da logística, onde está o gargalo?
Vitor Bonfim –
 O principal gargalo sem dúvida nenhuma é o transporte. Temos na região oeste uma vasta extensão territorial, e, além disso, temos na região oeste um potencial de crescimento da agricultura irrigada muito grande. Com a irrigação, a gente fica livre das condições climáticas. Ou seja, se chover ou não, o irrigante vai ter a certeza de que ele vai produzir, ele vai ter água, que é o elemento crucial na produção agrícola. Nós estamos iniciando um estudo para definir o potencial hídrico da região oeste. Estamos fazendo uma missão ao estado de Nebraska (nos Estados Unidos) para formalizar essa parceria com a Universidade de Nebraska e a Universidade Federal do Oeste (da Bahia) para que a gente possa definir o potencial hídrico da região oeste e darmos um salto na produção irrigada. A gente tem pouco mais de 200 mil hectares irrigados na Bahia, e a gente pode chegar rapidamente a um milhão de hectares irrigados tão somente na região oeste do estado, tendo uma definição clara do que nós temos de água, sobretudo, no Aquífero do Urucuia, que tem um potencial de água enorme no subterrâneo. A gente precisa ter essa definição para avançar forte na agricultura irrigada e ficarmos livres das adversidades climáticas, nessa região, sobretudo.

Tribuna – A Operação Carne Fraca revelou uma relação promíscua entre fiscais da agricultura e alguns dos maiores frigoríficos do país. Como o senhor avalia a situação, secretário?
Vitor Bonfim –
A fiscalização realmente tem que ser constante. Os órgãos de vigilância têm que estar permanentemente fazendo essa fiscalização, porque em todos os segmentos da sociedade, infelizmente, temos pessoas que não são comprometidas e não levam a sério o seu trabalho. O fiscal agropecuário tem uma missão importantíssima, ele fiscaliza o alimento que chega à mesa das famílias brasileiras, e à mesa de pessoas até de outros países. Falando especificamente da Bahia, eu não tenho nenhuma preocupação em relação à carne que sai dos nossos frigoríficos. Por que eu digo isso? Porque os frigoríficos do Estado da Bahia possuem fiscalização permanente. Ou seja, há um fiscal da Adab acompanhando todas as fases do abate. Do pré-abate ao pós-abate, o fiscal acompanha todo o processo. Além disso, nós temos as fiscalizações que são realizadas ao longo das rodovias, as blitzen de trânsito para apreender produtos que não têm origem, produtos clandestinos, para proteger o baiano, para que o baiano possa consumir com tranquilidade e saber que aquele produto que chega à sua mesa é um produto inspecionado, um produto que não vai prejudicar a sua família. Mas eu acho que essa discussão é importante para que a gente foque numa coisa que a mídia não dá muita atenção, que é o abate clandestino. Nós temos um número elevado de animais que são abatidos de forma clandestina. Ou seja, no mato, embaixo de pé de pau, de forma inadequada. E é essa carne clandestina que a gente estima que possa chegar a 30% da carne consumida no Brasil. Você não sabe se esse animal estava sadio, se esse animal tinha alguma zoonose que possa prejudicar a população que vai consumir esse tipo de carne. Então, a gente tem que pedir ao pai, à mãe de família que não compre essa carne, sobretudo no interior, onde o pessoal tem a cultura de comprar carne verde, a carne fresca, que é a carne vinda do abate clandestino. Esse momento tem que ser importante também para que a gente faça um apelo à população para que não consuma carne sem origem, porque a gente não sabe o que pode acontecer.


Tribuna – Qual é a produção de carne da Bahia hoje? Quanto é exportado?
Vitor Bonfim –
 A Bahia atualmente não exporta carne. Abriu o mercado para Hong Kong, com 250 mil toneladas, mas de vísceras, sobretudo. Carne ainda não.

Tribuna – Quantos frigoríficos funcionam na Bahia? O senhor disse que o principal grande mercado hoje é a China?
Vitor Bonfim –
 Basicamente os frigoríficos da Bahia são para o mercado interno. A gente possui hoje 39 estabelecimentos com selo de inspeção estadual, e temos 12 estabelecimentos que possuem o selo de inspeção federal. Agora, cabe ressaltar o avanço que tivemos nos últimos 10 anos. O número de frigoríficos de bovinos cresceu 93%. De 2007 para 2017, houve um crescimento de 93% de frigoríficos com o selo de inspeção estadual. Nós crescemos 267% em matadouros frigoríficos avícolas nos últimos 10 anos. Isso mostra o trabalho constante que a Secretaria de Agricultura, através da Adab, tem realizado para que a gente possa promover a qualidade da proteína que chega à mesa dos baianos.

Tribuna – Há informações de que o senhor estaria deixando a secretaria para retomar o mandato de deputado estadual. Tem algum fundamento?
Vitor Bonfim –
Eu necessariamente preciso deixar a secretaria e retornar à Assembleia Legislativa porque sou deputado e pretendo concorrer à reeleição. Então, eu necessariamente tenho que sair da secretaria para me desincompatibilizar e atender à legislação. Vou sair no momento da desincompatibilização.

Tribuna – A Secretaria de Agricultura continuará sendo da cota do PDT no governo?
Vitor Bonfim –
A reforma administrativa já foi implementada pelo governador Rui Costa no mês de janeiro. Eu acredito que, a partir dali, nós não teremos mudanças significativas na condução das secretarias e dos espaços políticos no governo.

Tribuna – Como o senhor viu a queda de Marcelo Nilo e a ascensão de Ângelo Coronel no comando da Assembleia?
Vitor Bonfim –
são ciclos. A política é feita de ciclos. Vi com naturalidade. Vivemos na Bahia um ciclo político que perdurou por 16 anos, e que chegou ao fim em 2006, com a eleição do nosso governador Jaques Wagner. É natural da política. Ela tem seu dinamismo e seu ritmo próprio. Marcelo Nilo é um grande deputado, foi um grande presidente da Assembleia, passou 10 anos comandando a Assembleia Legislativa, mudou de patamar a Assembleia. O presidente da Casa depois da gestão de Marcelo Nilo passou a ter outro peso político no estado. Como tudo nessa vida, chegou ao fim o ciclo dele à frente da presidência da Assembleia. Agora, ele vai continuar militando politicamente. Não tenho dúvida nenhuma de que ele vai contribuir para a política da Bahia, vai avançar agora para o cenário federal, com essa candidatura que ele tem colocado para deputado federal. A eleição de Coronel traz a renovação, traz um novo jeito de se fazer política, e espero que quando eu retornar à Assembleia, eu possa conviver mais de perto com o presidente Ângelo Coronel e ver ele implementar todas as mudanças que ele propôs durante sua campanha.

Osvaldo Lyra e Paulo Roberto Sampaio