Artigo: UMA DATA ESQUECIDA NO PAÍS QUE JOGOU A CULTURA NO LIXO

Jeremias Macário – é escritor e historiador

Ouvi por aí, lendo em algum lugar, que um bom texto é como uma canção harmoniosa e suave que encanta os ouvidos. Acrescento que é como ouvir o canto do cancioneiro quando ele e sua viola estão bem afinados. Assim como o violeiro, o violinista, o pianista e o saxofonista numa orquestra, o bom texto acalma a alma, mesmo do mais ímpio. Em sua essência, o leitor lê o livro, ou é o livro quem lê o leitor?

Ao falar do texto de uma matéria jornalística, de um artigo, de um comentário opinativo ou interpretativo, de uma tese de mestrado, de uma redação do Enem que virou outro vestibular, a intenção foi fazer uma caminhada até o livro, não importando o gênero. Este personagem tão nobre e velho distinto, mais uma vez passou esquecido em sua data nacional comemorativa no dia 29 de outubro, e logo em meio ao voto do ódio e da intolerância política.

Nestes momentos conturbados de tantas crises, que falta ele faz para clarear nossas mentes numa direção mais sensata e de lucidez! Ainda nesta semana, li um comentário do escritor Luiz Carlos Amorim num jornal em que dizia ser o livro o guardião da história da humanidade. O receptáculo de toda inteligência e criatividade do homem. A tristeza é que ele não seja tão popular quanto deveria, pelo menos no Brasil.

Diria que se ele fosse mais lido, reverenciado e apreciado, nossa sociedade seria mais humana, menos violenta, mais ética e mais respeitosa com os outros. Luiz Carlos fala que ele ainda é caro e aponta como alternativas as bibliotecas e os sebos. Da minha parte, entendo que a questão não é ser caro, mas a falta de hábito por culpa dos governantes que nunca priorizaram a educação. Deixaram o povo nas trevas e não vejo perspectivas de luz no fim do túnel.

O escritor fala dos e-books (o livro eletrônico) e os e-readers que estão se popularizando e têm uma pequena legião de seguidores. Não vai muito longe disso e, infelizmente, não vejo nisso nenhuma revolução cultural. O público do digital é inexpressivo, ao contrário do que previa os “futuristas” quando surgiu o computador. Quem não tem o costume de ler, não utiliza o eletrônico nem o livro de papel, ou o impresso. Esta é a minha opinião.

Por tocar no assunto, o livro de papel nunca deixará de existir, mas alguns insistem que ele terá seu fim com a evolução da internet. Acredito, no entanto, que não é a tecnologia da informática que vai intensificar o hábito da leitura, nem o audiolivro. Sem uma educação de qualidade e uma política de incentivo à cultura, vamos continuar sendo um dos priores leitores do planeta, bem abaixo de muitos países latinos. Nunca ganhamos um Nobel da Literatura, apesar de grandes autores.

Monteiro Lobato já dizia que um país se constrói com homens e livros. Ainda está longe de isso acontecer. Temos mais de 200 milhões de habitantes com poucos livros nas mãos. O professor Walber Gonçalves de Souza escreveu certo dia que somos uma nação de pouquíssimos leitores, uma média de livros lidos por pessoa bem abaixo daquilo que deveria ser um padrão aceitável em relação aos países desenvolvidos.

Ele lembra que os índices nacionais e mundiais que apontam a qualidade da nossa educação, sempre colocam o Brasil numa posição vergonhosa e triste. Uma pesquisa detectou que a maioria dos professores não incentiva seus alunos a serem docentes. Os motivos são vários, como falta de reconhecimento social, condições de trabalho, indisciplina dos alunos, entre outros. A sociedade prefere manter-se na ignorância e na obscuridade. Não quer saber do conhecimento. Prefere o fútil consumismo.

Walber faz uma Alegoria da Caverna de Platão, dizendo que nossa sociedade dá sinais de que prefere manter-se no mais profundo breu das cavernas e disposta a matar quem desejar apresentar a luz. Ser professor virou chacota e descaso por parte das políticas públicas. Transformou-se em profissão medíocre que não atrai jovens. O melhor mesmo é cultivar a ignorância.

Esta sociedade líquida que criou a ideologia do prazer e que não gosta de estudar e ler, vê o professor como maior inimigo. Os alunos se sentem obrigados a conviver com um chato, inimigo e petulante. Eles acham que a escola tem que ser prazerosa porque não foram ensinados a fazer o que é preciso – destaca o professor Gonçalves. Estudar é batalhar, ter disciplina e coragem para se sacrificar. Não é só viver no prazer.

Vivemos num cenário de horrores sociais. Somente os livros podem nos tirar desse quadro macabro no qual estamos afundados. Sem educação, não temos leitores. O arquiteto Lourenço Mueller cita …É gérmen que faz a palma, é gota que faz o mar (Castro Alves). Os livros sempre tiveram importância na formação dos homens, mas isso acabou nos tempos atuais. Mueller faz um apelo para que não nos deixemos vencer pela moda passageira instituída pelos gigantes da informática, só interessados em especular a imagem e reduzir o valor das palavras para vender celulares que afastam as pessoas. Assinala ser preciso revitalizar este herói impresso da cultura que resiste a quase tudo.

EDUCAÇÃO E LEITORES

“Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas” – Mário Quintana. Sem uma educação de qualidade, não teremos leitores. Um relatório da “Education at a Glance” 2018, publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que os investimentos do Brasil em educação infantil subiram de 0,4% do PIB em 2010 para 0,7% em 2015.

Com esses dados o país ficou à frente da Argentina, Colômbia, Costa Rica e México, mas comparado aos 35 países da Organização, o investimento está abaixo da média de 0,8% do PIB. O montante gasto com crianças nas creches ainda é pouco e está entre os mais baixos. Segundo especialistas, a negligência com a educação básica no processo de desenvolvimento da criança, limita a capacidade de criatividade e a habilidade, tendo consequências futuras.

O recomendado para a melhoria na educação é que se tenha boa formação de professores, valorização dos docentes, políticas públicas de continuidade e reforma dos prédios escolares. O Brasil está à frente dos países latinos quanto à inserção de crianças de até três anos nas escolas. No entanto, a situação no ensino médio está bem abaixo das metas estabelecidas pela OCDE.

De acordo com o estudo, 52% das pessoas entre 25 e 64 anos não atingem o nível médio de formação, devido ao abandono escolar. Apenas 69% dos adolescentes entre 15 e 19 anos, e somente 29% dos jovens de 20 a 24 anos estão matriculados numa instituição de ensino. A desigualdade social é um dos motivos para este baixo índice, principalmente na educação pública.

No aprendizado de língua portuguesa e matemática, a Bahia está abaixo da média nacional dos indicadores. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica mostram que o estado têm números abaixo da média dos exames aplicados nos 5º e 9º ano do ensino fundamental e no 3º do ensino médio.

Para estudantes do 5º ano, a Bahia registrou 197,7 pontos, contra 215 da média nacional em língua portuguesa. Em matemática a Bahia registrou 205,6 pontos, contra 224 da média nacional. Em relação ao 9º ano, o estado ficou com 242,1 em português e 241,2 em matemática, contra 258 pontos na média nacional para as duas áreas do conhecimento. Para os alunos do 3º ano do ensino médio, também as médias estão abaixo dos resultados em termos nacionais.

No Brasil, as elites dominantes sempre apostaram na falta de escolaridade e desinformação do povo como condição “sine qua non” para fazer valer a política do atraso. Como ter leitores sem uma educação de bom nível? Sem leitores, a população se torna inculta, ignora sua história e se torna presa fácil de ser manipulada, inclusive pelas fake news.