Um projeto de convivência com o semiárido, que envolve a plantação de palmas, cultivadas por detentos em ressocialização, está levando esperança de dias melhores para o homem do campo em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia.
Até o final de 2019, de acordo com a prefeitura local, 130 produtores rurais receberam 650 mil mudas de palma, planta nativa do México que se adaptou bem ao bioma caatinga e que é utilizada para auxiliar na alimentação de animais (bovinos e caprinos), sobretudo em época de estiagem. Além disso, a planta é utilizada também em receitas variadas para a alimentação humana.
Detentos atuam em projeto de ressocialização (Mário Bittencourt/CORREIO) |
Batizado de Palmas para Conquista, o projeto da Prefeitura foi iniciado em 2017 e atua com presos em ressocialização desde agosto de 2018. Atualmente, 18 deles trabalham no projeto.
Segundo o engenheiro agrônomo Reuber Matos, idealizador e responsável técnico do Palmas para Conquista e também coordenador de Fomento à Agricultura Familiar da Secretaria Municipal de Agricultura, a doação da espécie para agricultores tem como objetivo expandir e fortalecer o projeto.
“O produtor recebe 5 mil mudas de palmas e firma o compromisso de, em um ano, devolver a mesma quantia para que outro produtor, de preferência um vizinho dele, possa ser beneficiado e faça o mesmo”, disse Matos, que almeja chegar ainda no começo deste ano a 2 milhões de muda de palmas entregues a mais 400 agricultores.
As palmas são cultivadas em 16 hectares de uma fazenda que teve parte do seu terreno cedido pelo proprietário, para que o projeto possa ser desenvolvido. As espécies plantadas são as da variedade Doce (também conhecida como miúda) e Mão de Moça (ou Baiana).
Essas variedades foram escolhidas para o cultivo porque são resistentes a uma praga que já atingiu plantações de palma em outros estados do Nordeste, a falsa cochonilha do carmin, um inseto parasita que se alimenta da seiva das palmas e causa a morte da planta. As espécies resistentes funcionam como uma guarnição contra a praga.
Outro diferencial do projeto é a aplicação de técnicas agronômicas na plantação da palma, o que quase não é realizado no Nordeste, onde impera o sistema convencional – ou seja, sem controle de pragas, correção de solo e cultivo em espaçamento desordenado, o que gera baixa produção.
“No plantio intensivo conseguimos elevar a produtividade de 27 toneladas por hectares, que é a produção hoje da Bahia, para até 500 toneladas por hectare. Então, é um ganho muito grande que temos a partir da aplicação das técnicas de cultivo, e tudo isso está sendo ensinado aos produtores que recebem as mudas e aos presos também”, disse Matos.
Detentos carregam caminhão de produtor rural beneficiado com as palmas (Mário Bittencourt/CORREIO) |
Novos horizontes
A plantação da palma, realizada no povoado dos Quatis, a 20 km de Vitória da Conquista, é feita exclusivamente por presos do regime semiaberto do Conjunto Penal de Vitória da Conquista, que abriga somente detentos desse tipo, além de mulheres de regime fechado. Atualmente, o Conjunto Penal tem 325 presos.
Os detentos foram inseridos no Palmas Para Conquista por meio de outro projeto da Prefeitura Municipal, o Começar de Novo, que oferece oportunidade trabalho em secretarias da gestão local. Ao todo, 146 presos trabalham na Prefeitura, nas áreas de saúde, serviços públicos, meio ambiente, trabalho e agricultura.
A atividade dos detentos ocorre por meio de parceria da Prefeitura com a Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia (Seap). A cada três dias trabalhados, eles reduzem um dia da pena, além de receberem R$ 779 por mês – deste valor, 70% vai para a família deles e o restante é depositado em uma conta que o preso terá acesso quando terminar de cumprir a pena.
“Temos visto uma evolução muito grande dos presos que atuam não só nesse projeto, mas em outras atividades laborais da prefeitura e das empresas. Muitos deles trabalham em atividades que já exerciam antes de terem de cumprir pena, e estão ganhando nova oportunidade para que possam ser reinseridos na sociedade”, comentou o diretor do Conjunto Penal de Vitória da Conquista, Alexsandro Oliveira.
Frutos da palma, também conhecidos como figo da índia (Divulgação) |
Durante a visita que o CORREIO fez ao projeto, os presos contaram que buscam, no projeto, uma forma também de se afastar do que chamam de “más influências do ambiente de cárcere”, e veem o trabalho como aprendizado para o exercício de uma profissão ligada ao campo.
Para o preso que se identificou apenas como “JP”, de 36 anos, o trabalho, “é um aprimoramento do que já fazia antes”. Ele exercia a profissão de vaqueiro na região de Itapetinga, sudoeste da Bahia, e plantava palmas para alimentar o gado. “Mas era um plantio sem muita técnica, bem diferente daqui”, disse.
Outro preso, oriundo da região de Anagé, de 35 anos, disse que seu grande objetivo é conquistar a confiança da sociedade, para que possa se reinserir no mercado de trabalho e atuar de forma honesta. “Isso é uma das coisas que tenho aprendido aqui também”, disse. Nenhum dos presos que conversaram com a reportagem quiseram dizer seus nomes e nem a razão de estarem reclusos.
De acordo com a Seap, a Bahia conta com 2.585 presos que atuam em projetos de ressocialização, de uma população carcerária de 15.121 detentos.
A secretaria informou ainda que está em tratativas com as prefeituras de Lauro de Freitas, Jequié e Feira de Santana para o desenvolvimento de projetos de ressocialização na área pública, tal como é feito em Vitória da Conquista.
Atualmente, de acordo com a pasta, 109 detentos trabalham em secretarias do Governo do Estado e no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Dos que trabalham nos projetos de ressocialização na Bahia, 786 exercem atividades remuneradas, 763 atuam em atividades não remuneradas e 1.036 fazem artesanato.
Multiplicadores
Entre os agricultores beneficiados com o projeto, a sensação é de segurança com relação à continuidade do trabalho no campo, sobretudo porque a palma, além de garantir o sustento dos animais em tempos de estiagem e ser também fonte de reposição de líquidos por acumular muita água, tem sido cada vez mais usada na própria alimentação humana.
Um dos agricultores contemplados na sexta-feira com a doação de palmas foi o agrônomo José Jorge Pereira Oliveira, da Associação de Agricultores Familiares de Amargoso, no povoado de Bate-pé, em Vitória da Conquista. Os produtores da associação receberam 50 mil mudas de palma.
“Os agricultores estão muito confiantes, a palma é resistente à falsa cochonilha do carmin, e isso nos dá segurança de não sermos atingidos. Além disso, o suplemento alimentar à base de palma é muito importante para os animais manterem o nível de produção”, disse, informando em seguida que muitos produtores de cidades da região sudoeste criaram expectativas a partir do projeto Palmas Para Conquista.
Para o produtor rural Felisberto José Crus, 50, da localidade de Pedra Branca, no povoado de Casulo, em Vitória da Conquista, a plantação das palmas oferece a segurança de ser autossustentável no futuro. Atualmente, ele tem 21 vacas leiteiras em produção, 12 bezerras, 4 equinos e 68 caprinos.
“A palma é uma introdução de cultura de aumento de produtividade para o produtor rural. Todos têm receio da chegada da seca, mas com a palma o cenário muda mais um pouco, pois ela dá alimento tanto aos animais quanto para nós. Isso é um grande ganho para os produtores seguirem motivados a manterem o rebanho, e motivo de alegria saber que existem pessoas preocupadas em olhar para o homem do campo”, comentou.
Produção de gás
A palma já desperta também interesses para a produção de gás. Em Salvador, o engenheiro civil Feliciano Muiños Ventin desenvolveu um biodigestor capaz de gerar gás metano a partir da mistura da palma com esterco de bovinos.
Segundo ele, para gerar um bujão e meio de gás, é preciso um balde de 10 litros cheio de esterco, misturado a 10 litros de água. “E quando coloca a palma triturada, acelera o processo e gera mais gás em um tempo menor. Então, a palma serve como um acelerador do processo de geração de gás”, comentou.
No momento, ele trabalha na criação de um protótipo de biogerador que possa ser mais fácil para transportar, como se fosse uma bolsa, já que o que ele tem atualmente exige um custo alto para fazer o deslocamento.
“Ano que vem, em janeiro, quero estar com biodigestor pronto, para levar para o projeto em Conquista e fazer os testes lá”, afirmou. “A ideia é fazer com que os pecuaristas possam aproveitar o esterco dos animais e a palma para gerar o gás e utilizar em suas casas, o que seria outra forma de obter ganhos, sem a necessidade mais de comprar gás de cozinha”, disse, sem saber ainda um preço estimado que deve custar o biogerador portátil.
(Mário Bittencourt/CORREIO)
Fonte https:/correio24horas.com.br
Deixe seu comentário