As apurações atuais podem abrir caminho para que os investigadores identifiquem outras determinações de magistrados que foram oriundas de negociações em troca de dinheiro e de vantagens indevidas.
Antes, a PF e o MPF estavam com investigações concentradas em vendas de decisões judiciais relacionadas a disputas de terras no oeste do Estado.
Esse desdobramento da Faroeste é chamado de Operação Patronos e foi autorizado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisão sob sigilo do inquérito e obtida pela reportagem que determinou o bloqueio de quase R$ 37 milhões de em bens e valores investigados e a quebra de sigilo financeiro de advogados e escritórios de advocacia.
As decisões sobre o novo braço da operação estão sob a responsabilidade do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. No mês passado, houve busca e apreensão nos endereços dos investigados.
O caso que deu origem à investigação é uma apuração sobre suspeita de repasses de R$ 400 mil em propinas para que em 2016 fosse elaborado voto no TJ-BA contra o Bradesco, em uma ação que pedia indenização por perdas e danos.
O banco acabou condenado a pagar R$ 15 milhões à empresa Empreendimentos Turísticos e Imobiliário Mirante do Porto Ltda., que construía um condomínio em Porto Seguro.
O empreendimento e o banco estavam em litígio na Justiça por uma questão relativa a empréstimos desde a década de 1990. Nessa disputa, o Bradesco já havia perdido em primeira instância e recorreu.
A desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, que mais tarde virou delatora da Faroeste, tornou-se a relatora do caso no TJ-BA. Seu voto foi seguido pelos outros integrantes da corte que participaram do julgamento. Eles decidiram a favor da Mirante do Porto —a investigação não trata dos outros magistrados nesse caso.
“O acórdão que condenou o Banco Bradesco ao pagamento de indenização foi unânime e não se tem notícia de que os outros desembargadores também teriam sido corrompidos”, disse o ministro Cueva.
“Mas isso não afasta o aparente vício que contamina a decisão. Afinal, é natural em julgamentos colegiados que um magistrado influencie o entendimento dos demais, especialmente quando atua na função de relator.”
Os suspeitos de participarem da negociação da decisão são os advogados Rui Barata, que é ex-juiz do TRE-BA (Tribunal Regional Eleitoral da Bahia), e Bruno Maia. Os dois são filhos de desembargadoras.
Procurado, o advogado de Rui Barata, Marcelo Leal, afirma à reportagem que seu cliente é inocente. Em nota, lamenta que Barata nem “sequer tenha sido ouvido no inquérito, não obstante tenha se colocado à disposição para tanto”.
“A falta de sua oitiva torna-se mais grave quando se vê que a Operação Patronos se encontra baseada em depoimentos de delatores sem qualquer credibilidade, que, a fim de obter benefícios legais, atacam a honra de quem sabem não ter praticado crime algum, conforme demonstram os inquéritos já arquivados”, disse o advogado.
Ele afirma que “no tempo e modo oportuno” tomará “providências para a devida reparação moral contra seus detratores”.
Também procurado, o advogado Bruno Maia não se manifestou. A reportagem não conseguiu localizar os responsáveis pela Empreendimentos Turísticos e Imobiliário Mirante do Porto Ltda.
O Bradesco informou que não vai comentar.
Barata e Maia foram mencionados em delações premiadas firmadas no âmbito da Faroeste, a maior operação sobre negociação de decisões judiciais do Brasil. A investigação atinge o Tribunal de Justiça da Bahia desde 2019.
Além dos dois advogados, o caso envolve diversos outros personagens que participaram de negociações de decisões sobre grilagem e disputas de terras no oeste da Bahia.
O caso Mirante do Porto foi mencionado por dois delatores que firmaram acordos na Faroeste: Vasco Rusciolelli, filho da desembargadora Sandra Inês, e Julio Cesar Cavalcanti Ferreira, advogado que disse ter se especializado em negociar decisões judiciais.
Julio afirmou ter sido o responsável, após negociar os pagamentos, por elaborar a decisão que Sandra Inês daria no caso do empreendimento –o que foi corroborado em análise feita pela Polícia Judiciária.
Segundo as investigações, Bruno Maia é o “advogado apontado como negociador da decisão” e Rui Barata o “suposto operador e intermediário no recebimento de valores”.
Ao determinar as ações da Operação Patronos, o ministro Cueva afirmou que “os indícios destacados pela autoridade policial e pelo Ministério Público Federal mostram que os investigados, aparentemente, cometeram os crimes descritos na representação, bem como que os valores destinados à suposta mercância de decisões circulou pela conta bancária dos envolvidos”.
“Além disso, como se trata de supostos crimes de corrupção e lavagem de ativos, a análise das movimentações financeiras das pessoas físicas e jurídicas investigadas é necessária para coletar possíveis elementos de prova, até porque os dados levantados até o momento já mostram alguns indícios da prática criminosa.”
Ele determinou a quebra de sigilo bancário dos advogados e de seus escritórios entre 1º de janeiro de 2016 até 31 de dezembro de 2020.
Cueva também decidiu pela busca e apreensão de documentos indicativos de corrupção, de ocultação de bens, de mídias e de aparelhos de telefone, além de bloqueio de quase R$ 37 milhões.
Na delação que firmou na Faroeste, Júlio Cavalcanti também apontou tentativas de interferência em concorrências públicas, pagamentos de indenização e até desapropriação de uma barraca de praia.
Já a desembargadora Sandra Inês e seu filho, Vasco, citaram 12 desembargadores do TJ-BA (incluindo uma aposentada) e 12 juízes, além de 15 advogados e 16 funcionários do tribunal.
José Marques/Folhapress
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