– Nesse país continente, com tantas possibilidades, com tanta riqueza, mas também, com tanta concentração da renda, nas mãos de poucos, provocação de tanta miséria e da mais profunda desigualdade social, sem limites, vergonhosa, recorrente, tenebrosa e desumana. Já denunciada, relatada, discutida e apresentada por tantos, por vários pensadores, pesquisadores, professores em vários artigos, ensaios, trabalhos científicos, a triste realidade social brasileira e agora mais recentemente, o Brasil voltou a entrar no mapa da fome(global), com mais de 33 milhões de pessoas passando fome(oficialmente), em que o governo alega falta de recursos para atender os mais pobres…
Na verdade, os recursos existem e muito recurso… Não existe a vontade política, nem o respeito, ética e bom senso, com as populações, especialmente os mais (pobres e vulneráveis), os classificados de excluídos, na verdade, o termo excluído, nos remete imediatamente ao conceito do pensador camaronês, Professor Achille Mbembe(2011) da “Necropolítica” a política da morte, que vai nos questionar: “Quais são os limites da soberania para chegar aos fins almejados, até que ponto o Estado pode interferir na vida do seu povo, até mesmo decidindo sobre quem deve viver, ou tentar sobreviver, ou sobre quem deve morrer para conseguir garantir o status de Estado soberano…?”
Até onde vai a inapetência, a irresponsabilidade, ou mesmo os atos criminosos praticados pelo Estado, (seus representantes), em nome de que políticas, em nome de que conceitos ou convicções ideológicas ou da necropolítica, que vai submeter milhões de pessoas a inanição, a fome, à morte…?
Na verdade a uma parcela enorme da população, nunca houve boa vontade, nem respeito, nem cuidado, nem interesse, o povo sempre foi atendido com migalhas e discursos demagógicos. Contudo, sendo ele povo, o principal protagonista, o contribuinte, quem paga todas as contas com o recolhimento dos impostos, seja nas pessoas físicas ou jurídicas(empresas).
A sociedade que gera o orçamento, para a manutenção do Estado, mas historicamente, está excluída dele, na medida, em que os governos negligenciam as políticas públicas sociais, de segurança alimentar, da saúde, educação, da segurança pública, habitação e tantas outras. O fato, é que o Congresso aprovou o aumento no fundo eleitoral, para 2022 de R$ 2,1 bilhões para R$ 5,7 bilhões.
Na sessão do Congresso, deputados e senadores se posicionaram em peso para manter o fundo eleitoral turbinado, com raras exceções todos os parlamentares votaram pelo aumento gigantesco do tal fundo eleitoral. Alguns poucos parlamentares se posicionaram contra o aumento do fundo eleitoral, se colocaram contra o aumento do fundo eleitoral. Alguns disseram que…”Eu não escuto uma palavra dos líderes partidários no sentido de baratear a campanha, reduzir custos, se aproximar do eleitor; só essa conversa de que são necessários bilhões de reais do nosso bolso para financiar candidaturas espalhadas pelo país, sem critério claro de distribuições dos recursos aos candidatos”. A maioria dos parlamentares, não quiseram falar e ou se manifestar sobre o tema, alguns disseram apenas que: “Nosso conceito em relação ao fundo eleitoral é de que ele é necessário, sim, convictamente, para o exercício da democracia no nosso país. (…) Hoje, precisamos do financiamento público com as suas limitações, mas democraticamente acessível aos candidatos sem ou com posses financeiras”, o fato é que o chamado orçamento eleitoral, também não chega a todos os membros dos partidos políticos, fica restrito aos Caciques, aos donos das legendas e ou siglas, muitas delas inclusive, legendas de aluguel…
Na Câmara, algumas poucas siglas partidárias se posicionaram, o PSol defendeu a necessidade do financiamento público, mas criticou os novos valores. “Nós, diferentemente do Novo, com todo o respeito, defendemos fundo público para campanha, financiamento público de campanha, porque isso é fortalecer a democracia. (…) Mas nós divergimos do valor direcionado ao fundo de campanha.
O valor que está colocado, hoje, gira em torno de quase R$ 6 bilhões”, é um absurdo, com tanta gente passando fome neste país. Com quase R$ 6 bilhões, os políticos terão o maior fundo eleitoral da história. Nas eleições de 2018, partidos receberam R$ 1,7 bilhão para as campanhas.
Segundo a avaliação de Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas/Transparência, a derrubada do veto evidencia que o Congresso está muito mais preocupado com a questão eleitoral do que com a responsabilidade fiscal e muito menos com a situação de mendicância de uma parte expressiva da sociedade. Aliás quando foi que o Congresso Nacional esteve realmente preocupado com as questões de cunho social, como por exemplo, a questão da fome e a segurança alimentar do povo…??? “Como forma de comparação, os R$ 5,7 bilhões correspondem à soma dos orçamentos integrais do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,1 bilhões) e do Turismo (R$ 2,4 bilhões). Os valores constam do projeto de lei do Orçamento da União para 2022”, pontuou.
O economista classificou o movimento como um “acinte” e “escárnio”, já que a estratégia foi votar o aumento na reta final do ano. “Aprovam esse valor absurdo às vésperas do Natal e do recesso do Congresso, para que a repercussão seja a menor possível”, reprovou. “Na próxima semana, provavelmente, serão incorporados ao Orçamento de 2022 cerca de R$ 16 bilhões de emendas do relator, que serão distribuídos sem qualquer critério técnico e socioeconômico, o chamado orçamento secreto…” Gente, orçamento secreto com o dinheiro público…??? Num país, onde milhões de pessoas passam fome… Isso é um crime de lesa-pátria, no mínimo falta de ética, de respeito e transparência com a sociedade brasileira, que foi, quem gerou todo esse orçamento gigante. E está mesma população, boa parte dela está morrendo à mingua.
Não é possível que continuemos a conviver com isso, sem indignar-se, sem manifestar-se, como se isso tudo, pudesse ser algo “normal”, e tenhamos que conviver com esse quadro desolador (ad-eternum), me recuso a acreditar nisso… O mais esquisito, é o fato de que, boa parte da sociedade brasileira, sequer, tem ideia ou noção desse descalabro que se impõe a todo o povo, sem que haja, nenhum tipo de manifestação, nenhum tipo de resistência e ou protesto, é como uma espécie de banalização do mal e ninguém mais reage a todas as atrocidades cometidas pelo estado e seus representantes. No tocante ao processo de insegurança alimentar…
A situação vem se agravando muito rapidamente, nos últimos anos deu um salto enorme no período da pandemia devido ao desemprego, à inflação, à falta de políticas públicas específicas e ao desmonte dos programas de combate à fome pelo atual governo. Segundo o Professor Jessé Souza (2018), “…Essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram. Você pode matar um pobre no Brasil, que não acontece nada. A polícia mata com requintes de crueldade e ninguém se comove porque os pobres são percebidos de modo desumanizado…” Com o desemprego crescente, a inflação e os efeitos da pandemia não explicam a volta da fome. Pois se houvesse política para impedir que ela se alastrasse, não haveria fila do osso.
Quando pessoas apareceram na TV disputando lugar na fila do osso para obter algum alimento, ficou evidente que algo estava muito errado no país. Foi então que a imprensa e a população começaram a prestar mais atenção nos resultados das ações do governo. Mas as políticas públicas de combate a fome foram desmontadas uma a uma pelo governo. Ele destruiu os estoques reguladores de oferta e preços de alimentos.
Privilegiou o agronegócio exportador e desmantelou o programa de agricultura familiar, responsável por produzir o alimento que vai para a mesa do brasileiro, e o programa nacional de alimentação escolar. Incentivou o desmatamento e criou políticas para os grandes fazendeiros, enquanto ignorou as necessidades da população em geral, culminando com os aumentos exorbitantes dos alimentos que compõem a cesta básica, além do processo de inflação e da estagnação da economia, ou seja, uma combinação perfeita para aumentar a fome e a tragédia social. Diante desse quadro desolador, me coloco a questionar…(?)
O que nos apresenta a Constituição Federal/1988. Art. 3º da Constituição Federal do Brasil: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”Art. 5º Constituição Federal do Brasil.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Atualmente no Brasil, do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar (IA) e, a fome em 2021.
E agora em junho de 2022, esses 19 milhões já são 33 milhões. É o que mostrou a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), com a divulgação dos dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022.
Para o levantamento foram visitados 2.180 domicílios brasileiros, em todas as regiões do país. Constatou-se que 55,2% se encontravam em Insegurança Alimentar, 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de IA grave, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%). É chocante saber que 15,5% da população brasileira passa fome. E que mais da metade convive com algum tipo de insegurança alimentar, ou seja, se já não passa fome, não sabe se terá alimento no futuro imediato.
As famílias chefiadas por mulheres são as mais atingidas, assim como as regiões Norte e Nordeste do país. Nesta última, nada menos que 12 milhões vivem no pior nível de insegurança alimentar, o grave, sinônimo de não ter o que comer. Tão chocante quanto isso é saber que milhões de crianças são atingidas por esse flagelo, e que quanto menor a faixa etária da fome, mas prejuízos para a saúde e para a vida haverá no futuro. Essa preocupação deve estar na mente de todos nos próximos meses, de campanha eleitoral para as eleições de outubro, quando um novo governo será eleito pelo povo. É preciso respirar fundo para superar o misto de tristeza e indignação que nos provocam esses indicadores, e enfrentar racionalmente esse tema.
Para o Professor Darcy Ribeiro (2006) “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso, nunca houve preocupação real, com o homem comum, com a população mais necessitada”.
É fundamental ir além das aparências para entender tamanha irracionalidade e dor que apenas o mundo do capital com sua “caça apaixonada do valor” pode nos proporcionar em seu tempo de crise e decadência, como ademais o tem feito a partir de vários sinais: o fracasso da COP26 e a crise ecológica; as montanhas de roupas desperdiçadas pelo consumo conspícuo no Deserto do Atacama; a ausência de cobertura vacinal para todo o mundo, quando há abundância de vacinas contra a COVID 19; dentre tantos outros sinais.
Essa decadência da sociedade burguesa, no Brasil e no mundo, o ultraneoliberalismo, e o resultado está por toda parte em todas as cidades sob os viadutos, sob as marquises e nos sinais de trânsito da cena urbana: uma multidão de pessoas jogadas à própria sorte em situação de pauperismo absoluto, com todos os desdobramentos humanos, físicos, psíquicos e bárbaros daí decorrentes.
Nem a ação dos movimentos sociais, ou mesmo da solidariedade e organizações da sociedade civil, nem a política social que deveria em tese, ser um mecanismo seguro de proteção social, sobretudo quando tornada sem efeito, pífia e insuficiente, com sua orientação malthusiana de deixar as pessoas, na prática, jogadas à sua própria sorte, têm sido capazes de alterar esse quadro mórbido, esse Brasil aos prantos, desencantado, dilacerado, com profundas dicotomias quase intransponíveis à realidade social nua e crua apontando para o vale dos desvalidos e renegados, numa sociedade marcada pela ganância, arrogância, prepotência, presunção, violência de todas as formas e aparatos, sem compaixão, num processo acelerado da desumanização do humano.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor de Sociologia da SEC/BA**E no Curso/Plano de Formação Continuada SEC/IAT/BA.*06/2022.1** Prof. Dirlêi A Bonfim
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