“ Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, se posiciona: coloca em pauta projetos adormecidos na ordem do dia, que exigem dos parlamentares equilíbrio, posicionamento, entre a ciência, a justiça e a política.”

Artigo;

Entre a Ciência e a Segurança: A Dupla Pauta de Hugo Motta que Desafia Tabus no Congresso

O Brasil está diante de um daqueles momentos emblemáticos em que o Congresso Nacional parece dividido entre o moralismo e a modernidade, entre o medo e a razão. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, colocou na pauta duas propostas que, embora pertençam a universos distintos, revelam a mesma tensão de fundo: a dificuldade do país em lidar com temas que exigem equilíbrio entre ciência, justiça e política.

De um lado, o projeto que autoriza a fabricação e comercialização de medicamentos à base de Cannabis medicinal – um texto técnico, aprovado há quatro anos por uma comissão e que dorme na gaveta da Câmara, paralisado pelo temor político e pelos estigmas sociais. Do outro, o chamado projeto antifacção, enviado pelo governo Lula como resposta ao recrudescimento da violência urbana e às ações brutais de facções criminosas.

A coincidência de ambos aparecerem na mesma semana na pauta de votações, ainda que sem data certa para deliberação, não é mero acaso. É o retrato de um Parlamento que oscila entre o enfrentamento do crime e o enfrentamento da ignorância.

A maconha medicinal e o preconceito ideológico

A liberação da Cannabis para fins medicinais não é uma agenda da esquerda ou da direita. É uma pauta da ciência, respaldada por estudos e por uma realidade que já se impõe nos consultórios médicos e nas famílias brasileiras. Há crianças com epilepsia refratária, idosos com Alzheimer e pacientes com dores crônicas que dependem de medicamentos importados, caríssimos, porque o Brasil insiste em tratar a planta medicinal como tabu moral e não como política de saúde pública.

Quando o projeto foi aprovado por um voto de desempate em 2021, durante o governo Bolsonaro, a reação de setores mais conservadores da Câmara foi imediata: um recurso para impedir que a proposta seguisse ao Senado. Desde então, a pauta ficou suspensa, num limbo legislativo que reflete a força do preconceito e a covardia política diante de uma discussão madura e necessária.

Enquanto isso, mais de 50 países já regulamentaram o uso medicinal da Cannabis. O mercado global cresce e movimenta bilhões de dólares, enquanto o Brasil se mantém na contramão, criminalizando o que o mundo inteiro reconhece como oportunidade científica e humanitária.

O projeto antifacção e a pressa de punir

No mesmo pacote, o presidente da Câmara trouxe também o projeto antifacção – uma proposta que tenta enquadrar facções criminosas como grupos terroristas, elevando penas para até 40 anos de prisão. O relator, o deputado Guilherme Derrite, ligado à segurança pública paulista e aliado de Tarcísio de Freitas, aproveitou o tema para disputar espaço político com o governo federal.

O resultado é um texto que, sob o pretexto de endurecer contra o crime, corre o risco de abrir brechas jurídicas perigosas. Classificar grupos internos como “terroristas” pode gerar repercussões internacionais graves, permitir intervenções externas e até prejudicar investigações internas. Trata-se de uma solução fácil para um problema complexo — e de um discurso que tenta substituir a política de segurança pública por retórica eleitoral.

Um Congresso virtual e esvaziado

Ironia das ironias: as votações dessa semana, que tratam de temas tão relevantes, acontecerão de forma virtual, com parlamentares votando pelo celular, enquanto parte deles participa da COP30, em Belém. É um retrato simbólico de um Parlamento distante, que delibera à distância sobre temas que afetam profundamente a vida real dos brasileiros.

Entre o cânhamo e as facções, entre o preconceito e o populismo penal, o Congresso brasileiro parece mais preocupado com o jogo de forças partidárias do que com o compromisso ético de legislar com responsabilidade.

É preciso coragem para enfrentar os mitos e maturidade para enfrentar os crimes. A maconha medicinal pode salvar vidas; o combate às facções pode salvar o país — mas nenhum dos dois temas sobreviverá se continuarmos reféns da hipocrisia política e da paralisia moral que marcam o nosso tempo.

 

 

Por Padre Carlos/ Política e Resenha – Artigo/Foto web Mora em Vitória da Conquista e atua como comunicador