Arcebispo de Salvador pode intermediar greve da PM

O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, se colocou à disposição do governo do Estado para intermediar o conflito com integrantes da Polícia Militar e tentar acabar com a greve que aterroriza a Bahia há quase uma semana. No último sábado, inclusive, ele conversou com o governador Jaques Wagner e, a qualquer momento, pode ser chamado a ajudar.

Além disso, nessa entrevista concedida à Tribuna, Dom Murilo falou sobre temas espinhosos como a perda de fiéis para outras religiões, jovens, uso de camisinha, relacionamentos gays, corrupção… Vale a pena conferir o que pensa o maior representante da Igreja Católica do Estado.

Tribuna da Bahia – Dom Murilo o que representa para o senhor vir para Bahia assumir a arquidiocese de Salvador?
Dom Murilo Krieger – Uma grande responsabilidade. Isso eu senti desde o primeiro momento da minha nomeação. Se Deus me colocou para vir pra uma região que eu não conheço, com desafios bastante grandes, é porque há uma caminhada longa a ser trilhada e tudo isso faz parte. Acaba envolvendo todo o trabalho que se deve com desafios próprios, como os desafios sociais aqui não só em Salvador, mas em toda a Bahia. E eu sabia. Eu tive que vir em primeiro lugar humildemente para conhecer. Eu não vim com regras prontas, com respostas pré-fabricadas. Vim com uma finalidade, com um objetivo muito claro: entrar em contato com as pessoas, com a realidade. Conhecer o máximo possível de tudo, contactar as pessoas. E nesses dez meses foi possível fazer isto. Não no sentido de poder dizer “conheço tudo, já sei tudo”. Mas pude realmente dar grandes passos e hoje eu me sinto muito mais a vontade do que quando eu cheguei, já que eu me sentia meio perdido aqui.

Tribuna – Qual ou quais os maiores desafios que o senhor tem encontrado ao longo dessa sua missão aqui na Bahia?
Dom Murilo – Primeiro lugar: há uma população, uma região muito densamente povoada. E isso traz problemas sociais como traz às vezes facilidades, e eu imagino um bispo que trabalhe na Amazônia e tenha poucos milhares de fiéis para cuidar. Mas espalhados ele também vai ter os seus problemas. Mas aqui é uma região densamente povoada, mas com problemas sociais, porque a gente percebe que a cidade precisa, mas não teve um planejamento necessário. Houve um crescimento desordenado e isso fica até difícil para atender devidamente as pessoas, até para a qualidade de vida das pessoas. Como é um povo muito alegre, festivo, que gosta de participar, eu vejo que é uma cidade, uma região que devia ter mais praças públicas, que é o local de encontro das pessoas, onde elas se relacionam. Depois, no campo religioso, eu sinto que deveria ter mais padres para responder as necessidades desta população.

Tribuna – Dom Murilo, a sociedade, de um modo geral, tem mudado a uma velocidade muito grande. Como o senhor observa as críticas de que a igreja católica tem se distanciado dos seus fiéis? Perdido cada vez mais fiéis?
Dom Murilo – Na verdade, quando se fala que a igreja perde fiéis, eu diria o seguinte: foi feita uma pesquisa pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e se descobriu o seguinte: há um terço de católicos que são bem praticantes, um terço de católicos que são participantes ocasionais, vão em festas especiais, em momentos particulares da sua vida ou da vida da igreja. E há um terceiro, um terço que é aquele católico de batismo. Foi batizado, se considera católico, mas não participa da vida da igreja, não lê a palavra de Deus, não estuda o catecismo, não vai a celebrações. Então, especialmente esse terceiro grupo fica presa fácil a qualquer proposta, porque mesmo se dizendo católico ele não participa da sua fé. E é por isso que gente sabe que a maioria daqueles que deixaram a igreja são aqueles que na verdade nunca pertenceram efetivamente a ela. Então, o grande desafio nosso é como atingir aquele católico que não tem participado da vida da igreja. Como entrar na casa dele, no coração dele com a proposta de fé?

Tribuna – E o que está sendo feito pela igreja católica para que essa realidade comece a mudar? Até porque, as igrejas evangélicas atraem cada vez mais fiéis…
Dom Murilo – Eu penso que o grande problema da nossa igreja católica foi que custou para verem a importância dos meios de comunicação, coisa que outras igrejas fizeram. Já que uma pessoa não vem ao seu encontro, você tem que ir ao encontro dela. Mas você não entra mais hoje batendo na porta de um prédio, nem de um condomínio. Mas no rádio entra, a televisão entra, os jornais entram, as redes sociais agora entram. Então, eu diria que nós custamos a perceber, porque como nossas igrejas estavam cheias, o púlpito atingia muita gente, pensamos “ah, estamos atingindo todo mundo”. E na verdade depois percebemos que não. Então, o grande desafio nosso é saber usar bem uma rádio, um jornal, uma televisão, redes sociais, um site para que eles conheçam a proposta de Deus.

Tribuna – Tentar se aproximar cada vez mais dos fiéis…
Dom Murilo – Sim. De repente ele falar “ah, com isso eu me identifico”. Esse é o desafio.

Tribuna – De que forma o senhor acha que a igreja católica deve se aproximar mais dos fiéis?
Dom Murilo – Bem, veja… a doutrina da igreja é a doutrina da igreja. Não muda conforme o lugar da circunstância como muita gente gostaria. Quer dizer, nós recebemos de Jesus Cristo um patrimônio, uma herança que é intocável. Eu não posso dizer “não precisa mais amar o inimigo. Pode roubar. Não precisa mais ser justo, honesto…”. Não. Então, às vezes, o grande perigo de alguns grupos para atraírem os fiéis é que eles prometeram uma vida fácil. Um Jesus que resolve todos os seus problemas… Um Jesus que está ao seu serviço. Não é mais: “Pai seja feita a vossa vontade”, mas “Pai faça a minha vontade”. Então, nós temos que ser fiéis aos princípios. Claro, procurando apresentar a proposta da Igreja de uma maneira que toque, que seja inteligível para a pessoa de hoje. Então não se trata de mudar o conteúdo, mas mudar a roupagem para atingir as pessoas de hoje.

Tribuna – E os jovens, Dom Murilo? O que deve ser feito para que eles estejam cada vez mais envolvidos e abracem a religião?
Dom Murilo – Eu diria assim… Se nós formos comparar a Igreja hoje e 20 anos atrás, a percentagem de jovens hoje que participa é muito maior que 10, 20 anos atrás. Mas há muitos que não participam e que a gente precisa atingir. Eu penso que não adianta querer enganar o jovem. Eles querem um Cristo vivo que o próprio pregador tenha encontrado. Um Cristo capaz de sensibilizá-lo, de dar uma nova proposta mesmo que exigente para ele. Então, não posso querer conquistar o jovem com uma meia verdade ou pior ainda com a mentira. Mas eu tenho que apresentar esse Cristo: ele tem a resposta para os seus desafios. E aí vem a vantagem do grupo de jovens, dos movimentos juvenis, da rede social. É onde o jovem hoje passa várias horas do dia. Aí você entra numa linguagem que não sou eu que vou usar, porque eu não sei usar essa linguagem de forma adequada. E o jovem mesmo deveria ser o primeiro evangelizador do outro jovem.

Tribuna – O senhor acredita que a renovação carismática poderia ser o caminho para tentar atrair mais fiéis para o catolicismo?
Dom Murilo – Sem dúvida. A renovação carismática, como outros movimentos de jovens, têm conseguido atingir melhor esse jovem urbano. Eu diria assim… A linguagem da igreja, digamos de muito tempo, foi uma linguagem própria para o mundo rural porque a maioria da população vivia num mundo rural. Hoje não. Hoje 82% vivem na cidade. E esses novos movimentos têm conseguido realmente ter uma linguagem que atinge o jovem de hoje.  A renovação é uma das respostas. Eu, de minha parte, apoio todo grupo que percebo que tem uma proposta séria, tem um desejo realmente de evangelizar e esses grupos recebem todo o meu apoio e vão continuar recebendo.

Tribuna – Algumas regras e tabus afastam os jovens da igreja como, por exemplo, o uso da camisinha. Como o senhor avalia essa questão, já que os jovens começam cada vez mais cedo sua vida sexual?
Dom Murilo – Veja, o evangelho tem uma proposta de vida. Eu nunca vou poder diminuir a proposta do evangelho para tentar atrair alguém. Se um jovem faz uma opção por Cristo, vai aceitar também as exigências que Cristo lhe apresenta. É a mesma coisa num namoro. Então, na medida em que uma pessoa for conhecendo Jesus e sua proposta, ela mesma vai perceber “o que Jesus Cristo quer de mim?”, “Senhor o que queres que eu faça?”. Ele não começou colocando condições. Não. Então eu penso que o grande desafio pra Igreja é levar o jovem a se apaixonar por Cristo. O resto, as exigências posteriores são coisas normais entre duas pessoas que se amam, especialmente de quem se sente amado e quer corresponder com amor aquele que o ama tanto. Senão você vai ficar numa igreja assim, se eu começar só numa linha moralista “não pode isso, não pode aquilo”, não vou atrair o jovem e ele não vai sentir interesse por uma fé assim.

Tribuna – O relacionamento entre gays era uma coisa inadmissível há pouco tempo. Era tudo escondido. Hoje os jovens têm se permitido mais. Como a Igreja observa essa movimentação na sociedade?
Dom Murilo – Os meios de comunicação globalizam hoje os problemas, nem sempre globaliza as coisas boas. A solidariedade, por exemplo. Então, eu vejo assim… O mundo realmente está mudando, mas o que falta ao mundo são valores. Por isso que é tanta morte, tanta tristeza, nunca se houve tanto suicídio, tanto assassinato de jovem feito por outro jovem, nunca houve tanto apelo à droga. Quer dizer, as pessoas achando que iam ser felizes foram atrás dessas promessas de felicidade… e, no entanto, as pessoas hoje estão mais tristes, deprimidas. Basta aí ver os remédios que se toma para depressão. Então, eu acredito que o grande objetivo nosso deve ser apresentar valores pelos quais as pessoas sintam que “vale a pena lutar, trabalhar, sofrer”. Ideais de vida. O que falta na nossa juventude são ideais. Aí como não há ideais, o que é que fica? Ficam buscando roupas de grife, querendo imitar artistas, buscando alguma resposta na droga. Qualquer coisa que lhe prometa felicidade ele vai atrás, só que se esvazia, se engana.

Tribuna – O senhor acredita que a Igreja poderia acolher mais, independente da opção sexual, cor, raça…
Dom Murilo – Desde que a Igreja seja fiel àquilo que Jesus Cristo ensina a pregar, tudo bem. Não significa que Deus vá passar a mão na cabeça de todo mundo pra conquistar, “não, tudo bem… o que você faz é indiferente” seria uma mentira. Seria uma mentira porque se formos olhar o mundo que os apóstolos encontraram era muito pior do ponto de vista moral, a escravidão era normal… Quer dizer, era muito mais difícil e eles não deixaram de apresentar Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. E foram atraindo multidões. Porque hoje há muito grupo religioso que propõe tudo isso que o jovem quer ouvir e nem sempre o jovem sente atração por ele, porque ele vai ver que não é aquilo que ele procura. Eu diria assim, mostrar ao jovem que a busca do prazer pelo prazer não é o que vai resolver a sua fome de felicidade. Aquilo que Agostinho falou há mais de 15 séculos é ainda uma grande verdade. Ele, falando de si mesmo: “criaste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti”. O homem foi criado para Deus, e fora de Deus vai ser sempre incompleto e infeliz.

Tribuna – O senhor acredita que a Igreja Católica pode ajudar mais o meio político na construção de uma sociedade mais justa, mais igual, com menos problemas como o senhor mesmo apontou?
Dom Murilo – Pode e deve. Porque veja, o ser humano desde os primeiros tempos da civilização é um ser essencialmente político no sentido daquele que participa da vida pública. E no caso distribui as responsabilidades para que alguns exerçam em seu nome o poder político. A Igreja não tem partido, por isso mesmo ela é contra a candidatura de padres, porque entrar num partido é assumir uma opção de uma parte. Ora, nós temos que trabalhar com todos independente do partido político. A Igreja defende valores, então ela quer que o seu membro, o seu católico vá, entre na política. Aquele que especialmente tem vocação se interesse pela política, se sentir vocação até para cargos que assuma para levar uma proposta nova de preocupação pelo bem comum, de solidariedade, de cuidado pela coisa pública. Então o católico que  tem essa vocação, eu diria diante de Deus, ele se deve obrigado a participar.

Tribuna – O senhor acredita que deveria haver um combate maior à corrupção no País?
Dom Murilo – Sem dúvida. O grande problema hoje é que as nossas leis são boas, mas não há uma resposta prática. As pessoas não veem e quando começam a perceber que aqueles que detêm poder, que manipulam verbas, eles estão se enriquecendo, o outro vai pensar “então é normal, é assim mesmo e se eu tiver oportunidade eu vou fazer o mesmo”. É assim que muitas pessoas erradamente pensam. Então, sem dúvida, eu acho que os políticos se esquecem que eles são muito visados. As pessoas estão muito mais atentas ao seu comportamento do que eles imaginam. Por outro lado, quando a gente encontra políticos honestos, dedicados a causas publicas, que trabalham para o bem da comunidade eles fazem um bem imenso que é louvável e outros deveriam também fazer.

Tribuna – O senhor acha que a Igreja poderia ajudar mais no processo de conscientização política da sociedade?
Dom Murilo – Sim. Inclusive tem sido muito comum nas eleições nós emitirmos alguma nota apontando pra valores que se devem olhar, não pra “vote no Pedro e não vote no Paulo”. Não. No sentido mais “olha, busque pessoas que participam”. Nós não somos daquele grupo religioso que diz: “olhe, nós devemos votar em tal pessoa porque esse é o candidato de Deus”. Isso é hipocrisia! Isso não tem sentido. Não. Acho que não posso usar o nome de Deus em vão. Eu posso dizer “olha, procure saber o passado do candidato. Veja sua atuação na comunidade, se foi uma pessoa aberta sempre aos outros, ajudar os outros? É uma pessoa que tem coerência? Está num partido que tem uma proposta boa? Você vê que ele tem realmente condições de assumir esse cargo?”. O grande problema hoje é que também a televisão pode enfeitar muito, dourar a pílula e apresentar como um grande benfeitor da humanidade uma pessoa que não tem nenhum valor. E a propaganda eleitoral se ela não for vista com critério, com discernimento pode levar a pessoa ao engano. Achando que está votando numa pessoa maravilhosa e daqui a pouco você ver que é um corrupto. Mas é por isso que eu digo a atenção ao passado, ao que ele já fez, se informar, participar de debates… isso é altamente recomendado.

Tribuna – Alguns integrantes do governo federal foram demitidos sob suspeitas de corrupção. O senhor acredita que a sociedade está mais atenta a isso, exigindo mais zelo pelo dinheiro publico?
Dom Murilo – Sem dúvida. E é aí nesse ponto que eu vejo a importância da imprensa. De uma imprensa livre que possa investigar, que evite ser tendenciosa e mais ainda que não caluniem, que preste um serviço com a verdade, um serviço que a imprensa pode prestar para ajudar a ter um discernimento crítico muito grande, e agora recentemente… em países do oriente a gente viu a força de todos, essa mídia social, como foi capaz de juntar pessoas… Então a gente nota que as pessoas hoje querem participar, tem mais interesse e isso é bom porque se a pessoa vai ser beneficiada por um bom governo, ela também se prejudica muito com um mau governo.

Tribuna – Pra finalizar, qual a mensagem que o senhor deixa para as pessoas nesse ano eleitoral?
Dom Murilo – Eu diria assim, pro futuro a gente não prevê, a gente constrói. Em outras palavras, a gente colhe aquilo que semeia. Então temos que ser muito atentos aos nossos direitos, atentos às nossas obrigações. O voto é um direito e uma obrigação, então tenho que examinar mais, não me deixar levar por promessa, por fachada. Precisamos construir uma sociedade nova, renovada, com pessoas novas, mas isso depende muito de nós. Saber escolher em quem votamos e não só em quem vamos votar, por quem vamos trabalhar. Trabalhar por pessoas que nós acreditamos ser uma pessoa séria. Vou trabalhar não porque vou ganhar alguma coisa em troca, porque ele vai amanhã me dar um emprego ou pra algum familiar, mas porque eu quero construir uma cidade, um Estado, um país melhor.

Colaboraram: Mari Mell e Romulo Faro
Osvaldo Lyra EDITOR DE POLÍTICA