ARTIGO. Quando o Luto Se Torna Casa: A Dor Que Ensina a Amar. por Pe. Carlos

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 (Padre Carlos)

Há dores que não cabem na linguagem humana. Perder alguém, perder um amor, perder um projeto de vida — são terremotos silenciosos que não aparecem no noticiário, mas que devastam mundos interiores. Quando ouvimos que alguém está “de luto”, quase sempre pensamos em morte, mas o luto é muito mais do que isso: é o preço que se paga por ter amado, por ter criado vínculos, por ter permitido que alguém ou algo ocupasse um lugar afetivo dentro de nós.

A sociedade tenta nos consolar com frases prontas — “sei o que é isso”, “tenha força”, “pensa noutra coisa”, “siga em frente”, “está no céu” — todas ditas com boa intenção, mas incapazes de tocar a realidade íntima de quem está sangrando por dentro. O luto é pessoal, intransferível, inegociável. Ninguém sente em nosso lugar, ninguém atravessa o deserto da falta pelos nossos passos.

Recentemente, um amigo dos tempos do seminário me contou, com a voz embargada, que tinha acabado de perder o pai. Eu não lhe disse para ser forte. Não lhe pedi para se erguer como se nada tivesse acontecido. Apenas o lembrei de algo que a vida me ensinou: é preciso viver o luto, reconhecer as feridas da alma e permitir que o tempo — e somente ele — seja o remédio possível. Nada cicatriza em um dia. Nada se reconstrói com fórmulas mágicas.

Existem tantos tipos de luto quanto existem maneiras de amar.
Luto pelos que morreram e não veremos mais nesta vida.
Luto pelos vivos que se afastam e nos tornam invisíveis.
Luto antecipado, prolongado, adiado.
Luto pela fé perdida, pela saúde que se foi, pelo divórcio que rachou a casa ao meio, pelo emprego que sustentava dignidade, pelo filho que partiu cedo demais, pelo animal que era companhia silenciosa, pela imagem própria que se fragmentou no espelho.

No fundo, todos carregamos um luto que mora dentro de nós — discreto, insistente, irrenunciável.

A etimologia de “luto” vem de lugere — chorar. E o choro, tão reprimido, é fisiologia da alma. Negar o luto intoxica o corpo e a fé: surgem doenças físicas, psíquicas, espirituais. Quem cala, nem sempre consente — muitas vezes adoece.

Toda perda quer ser narrada. Sobrevivemos quando conseguimos contar nossa história — nem para o mundo, nem para a plateia, mas para nós mesmos. Quando conseguimos olhar a ferida sem nos destruirmos com ela, então nasce a possibilidade de uma vida reconfigurada, de novos projetos, de um recomeço que não apaga o amor vivido, mas o honra.

Uma pastoral que a Igreja ainda não despertou com a urgência necessária é a pastoral do luto: um espaço de acolhimento, escuta e acompanhamento espiritual. Um lugar onde quem sofre possa ser amparado, ouvido, cuidado. Um espaço de oração, fraternidade, perfume e esperança. Um caminho de Emaús, onde o Cristo ressuscitado caminha com quem acredita que tudo está perdido.

Se você está em luto, ou conhece alguém que está, seja presença — não discurso. O luto, quando cuidado, pode se tornar missão. Tocar uma ferida com amor é evangelização. Acolher quem chora é gesto de fé. O luto é também terra de missão.

E às vezes, o maior milagre é apenas não deixar ninguém sofrer sozinho. Autor Padre Carlos novembro de 2025