Barroso vota para que MP de Bolsonaro não blinde atos que afrontam normas na pandemia

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quarta-feira (20) para restringir o alcance dos efeitos da medida provisória que protege servidores públicos de responsabilização por atos administrativos durante a pandemia do novo coronavírus.

O plenário deu início ao julgamento de seis ações que questionam a constitucionalidade da MP editada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A sessão foi suspensa e será retomada nesta quinta-feira (21).

Segundo a medida, durante a crise da Covid-19 somente poderão responder nas esferas civil e administrativa da Justiça os agentes públicos que “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

Barroso votou para que a MP seja interpretada de acordo com a Constituição e afirmou que o texto deve ser mantido na integralidade. Ponderou, no entanto, que, na aplicação da norma, devem ser excluídos do conceito de erro grosseiro medidas que “não observem normas e critérios técnicos estabelecidos por autoridades sanitárias do Brasil e do mundo”.

Além disso, defendeu que equívocos que violem os princípios da precaução e da prevenção também devem ser excluídos dos critérios de aplicação da MP.

O ministro fez uma defesa enfática das evidências científicas e, em um recado ao Palácio do Planalto, disse que acabar com o isolamento social é sujeitar o país “ao risco de genocídio”.

O magistrado também sublinhou que “a eficácia ou a segurança” do uso da hidroxicloroquina ainda são “controvertidas na comunidade científica” no combate ao novo coronavírus. A declaração ocorre no mesmo dia em que o Ministério da Saúde divulgou protocolo para liberar a aplicação do medicamento para todos pacientes da Covid-19, inclusive aqueles com sintomas leves.

Outra previsão da MP é de que “a responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir”.

Barroso, por sua vez, se posicionou para que as autoridades exijam das áreas técnicas que os pareceres tratem de critérios científicos com respaldo em entidades médicas e sanitárias do Brasil e do mundo, além de obrigá-los a observar os princípios constitucionais da precaução, “sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.

A inclusão relâmpago das ações na pauta desta quarta-feira do plenário do Supremo representa uma mudança de estratégia da corte na análise de matérias de autoria do Executivo.

Após críticas pelas recorrentes decisões monocráticas de membros da corte, Barroso e o presidente do STF, Dias Toffoli, preferiram levar a discussão ao plenário, a fim de dar mais peso ao entendimento firmado sobre o tema.

Assim, em vez de apreciar sozinho as impugnações à MP, Barroso se articulou com Toffoli para levar o caso ao plenário. O presidente do STF então mudou a previsão de julgamentos para atender ao pedido do colega.

No julgamento, Barroso fez duras críticas à redação da MP. Segundo ele, a norma não atinge o objetivo de dar mais segurança jurídica para agentes públicos tomarem decisões céleres no enfrentamento à pandemia.

“Passou a impressão, possivelmente errada, de que se estava querendo proteger coisas erradas. Essa foi a percepção do sentido e alcance do texto”, disse o ministro.

A proteção prevista na MP vale para sanções por medidas adotadas, direta ou indiretamente, no âmbito do enfrentamento da emergência sanitária e no combate aos efeitos econômicos decorrentes da doença.

O texto entrou em vigor na última quinta-feira (14) e, para não perder a validade, precisaria ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias.

A Rede Sustentabilidade argumentou que a MP restringe a punição de agentes públicos num contexto de pandemia, quando os controles dos atos da administração pública estão flexibilizados. No Ministério da Saúde, por exemplo, contratos milionários têm sido firmados com inexigibilidade de licitação.

“A União acaba por permitir que danos ao erário não sejam devidamente ressarcidos”, diz um dos trechos da ação.

O partido argumenta que a “blindagem” do servidor gera perdas à coletividade, pois ele “não precisará refletir adequadamente sobre suas decisões”, estando protegido “a priori de qualquer pretensa responsabilização, bastando-lhe alegar que não agiu por culpa grave (erro grosseiro) ou dolo”.

Ministros do STF ouvidos em caráter reservado pela Folha já haviam considerado a MP, da forma como foi redigida, vaga e inconstitucional.

O presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), José Mucio Monteiro, afirmou que o texto estimula mal-intencionados e que não pode haver salvo-conduto quando os gastos com a pandemia já consumiram mais de R$ 600 bilhões.

Para definir responsabilizações, a MP definiu erro grosseiro como “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Para isso, têm que ser levados em conta, entre outros pontos, os “obstáculos e as dificuldades reais do agente público”, a “complexidade da matéria e das atribuições exercidas”, a “circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência”, além do “contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia e das suas consequências, inclusive as econômicas”.

Segundo relataram interlocutores à Folha, desde o início da crise da Covid-19 existe preocupação entre técnicos do governo sobre possíveis responsabilizações por medidas tomadas na pandemia. Eles argumentam, por exemplo, que o sistema de compras públicas teve de ser modificado e que é preciso algum tipo de proteção para processos de caráter emergencial.

Para formar uma convicção sobre o tema, Barroso disse que conversou com o ex-ministro da Controladoria-Geral da União Valdir Simão.

No diálogo, segundo o magistrado, ambos concluíram que a norma não resolve os problemas de gestores no país e que pode passar a impressão de proteção a condutas mal-intencionadas.

Barroso citou que muitos processos contra atos administrativos levam anos para serem julgados e que o mais efetivo seria montar um sistema de monitoramento e prestação de contas em tempo real.

Folhapress

Foto: Gabriela Biló/Estadão

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) 20 de maio de 2020 | 20:00

Barroso vota para que MP de Bolsonaro não blinde atos que afrontam normas na pandemia

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O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quarta-feira (20) para restringir o alcance dos efeitos da medida provisória que protege servidores públicos de responsabilização por atos administrativos durante a pandemia do novo coronavírus.

O plenário deu início ao julgamento de seis ações que questionam a constitucionalidade da MP editada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A sessão foi suspensa e será retomada nesta quinta-feira (21).

Segundo a medida, durante a crise da Covid-19 somente poderão responder nas esferas civil e administrativa da Justiça os agentes públicos que “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

Barroso votou para que a MP seja interpretada de acordo com a Constituição e afirmou que o texto deve ser mantido na integralidade. Ponderou, no entanto, que, na aplicação da norma, devem ser excluídos do conceito de erro grosseiro medidas que “não observem normas e critérios técnicos estabelecidos por autoridades sanitárias do Brasil e do mundo”.

Além disso, defendeu que equívocos que violem os princípios da precaução e da prevenção também devem ser excluídos dos critérios de aplicação da MP.

O ministro fez uma defesa enfática das evidências científicas e, em um recado ao Palácio do Planalto, disse que acabar com o isolamento social é sujeitar o país “ao risco de genocídio”.

O magistrado também sublinhou que “a eficácia ou a segurança” do uso da hidroxicloroquina ainda são “controvertidas na comunidade científica” no combate ao novo coronavírus. A declaração ocorre no mesmo dia em que o Ministério da Saúde divulgou protocolo para liberar a aplicação do medicamento para todos pacientes da Covid-19, inclusive aqueles com sintomas leves.

Outra previsão da MP é de que “a responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir”.

Barroso, por sua vez, se posicionou para que as autoridades exijam das áreas técnicas que os pareceres tratem de critérios científicos com respaldo em entidades médicas e sanitárias do Brasil e do mundo, além de obrigá-los a observar os princípios constitucionais da precaução, “sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.

A inclusão relâmpago das ações na pauta desta quarta-feira do plenário do Supremo representa uma mudança de estratégia da corte na análise de matérias de autoria do Executivo.

Após críticas pelas recorrentes decisões monocráticas de membros da corte, Barroso e o presidente do STF, Dias Toffoli, preferiram levar a discussão ao plenário, a fim de dar mais peso ao entendimento firmado sobre o tema.

Assim, em vez de apreciar sozinho as impugnações à MP, Barroso se articulou com Toffoli para levar o caso ao plenário. O presidente do STF então mudou a previsão de julgamentos para atender ao pedido do colega.

No julgamento, Barroso fez duras críticas à redação da MP. Segundo ele, a norma não atinge o objetivo de dar mais segurança jurídica para agentes públicos tomarem decisões céleres no enfrentamento à pandemia.

“Passou a impressão, possivelmente errada, de que se estava querendo proteger coisas erradas. Essa foi a percepção do sentido e alcance do texto”, disse o ministro.

A proteção prevista na MP vale para sanções por medidas adotadas, direta ou indiretamente, no âmbito do enfrentamento da emergência sanitária e no combate aos efeitos econômicos decorrentes da doença.

O texto entrou em vigor na última quinta-feira (14) e, para não perder a validade, precisaria ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias.

A Rede Sustentabilidade argumentou que a MP restringe a punição de agentes públicos num contexto de pandemia, quando os controles dos atos da administração pública estão flexibilizados. No Ministério da Saúde, por exemplo, contratos milionários têm sido firmados com inexigibilidade de licitação.

“A União acaba por permitir que danos ao erário não sejam devidamente ressarcidos”, diz um dos trechos da ação.

O partido argumenta que a “blindagem” do servidor gera perdas à coletividade, pois ele “não precisará refletir adequadamente sobre suas decisões”, estando protegido “a priori de qualquer pretensa responsabilização, bastando-lhe alegar que não agiu por culpa grave (erro grosseiro) ou dolo”.

Ministros do STF ouvidos em caráter reservado pela Folha já haviam considerado a MP, da forma como foi redigida, vaga e inconstitucional.

O presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), José Mucio Monteiro, afirmou que o texto estimula mal-intencionados e que não pode haver salvo-conduto quando os gastos com a pandemia já consumiram mais de R$ 600 bilhões.

Para definir responsabilizações, a MP definiu erro grosseiro como “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Para isso, têm que ser levados em conta, entre outros pontos, os “obstáculos e as dificuldades reais do agente público”, a “complexidade da matéria e das atribuições exercidas”, a “circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência”, além do “contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia e das suas consequências, inclusive as econômicas”.

Segundo relataram interlocutores à Folha, desde o início da crise da Covid-19 existe preocupação entre técnicos do governo sobre possíveis responsabilizações por medidas tomadas na pandemia. Eles argumentam, por exemplo, que o sistema de compras públicas teve de ser modificado e que é preciso algum tipo de proteção para processos de caráter emergencial.

Para formar uma convicção sobre o tema, Barroso disse que conversou com o ex-ministro da Controladoria-Geral da União Valdir Simão.

No diálogo, segundo o magistrado, ambos concluíram que a norma não resolve os problemas de gestores no país e que pode passar a impressão de proteção a condutas mal-intencionadas.

Barroso citou que muitos processos contra atos administrativos levam anos para serem julgados e que o mais efetivo seria montar um sistema de monitoramento e prestação de contas em tempo real.

Folhapress