Crianças de três a dez anos de idade foram vítimas de estupro em casa de acolhimento gerida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social26 de agosto de 2025Lavínia Marinho*
Seis crianças, entre três e dez anos de idade, foram vítimas de abuso sexual em uma casa de acolhimento gerida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes), em Vitória da Conquista. Os casos vieram à tona no dia 20 de agosto, por meio de denúncia da vereadora Márcia Viviane (PT). Um dossiê ao qual o Site Avoador teve acesso revela que, desde 2024, conselhos tutelares vinham solicitando ações da Semdes, chegando a pedir, por meio de ofício, uma reunião de urgência com o secretário Michel Farias.
Além das violências sexuais, há denúncias de maus-tratos, negligência, uso de drogas no interior dos abrigos e evasões recorrentes de crianças e adolescentes, principalmente entre 2024 e 2025, devido à situação precária dos locais. O dossiê contém boletins de ocorrência, registrados em julho deste ano, que denunciam os estupros, e mais de três ofícios encaminhados à Semdes, sendo o mais antigo datado de março de 2024.
Em Vitória da Conquista, existem dois abrigos geridos pelo município: a Unidade Municipal de Acolhimento (UMA), que atende crianças de 0 a 12 anos, e a instituição Acolhendo e Cuidando, que abrange a faixa etária de 10 a 18 anos. Todos os estupros teriam ocorrido na UMA, cometidos por um adolescente de 13 anos. O Conselho Tutelar e a Justiça encaminha para essas unidades menores de idade que tiveram seus direitos violados dentro de casa.
“Um município que diz querer ser exemplo para a Bahia e para o Brasil, tem uma política de proteção às crianças totalmente fragilizada. É necessário que a Prefeitura interdite os abrigos, realoque as crianças para um local seguro e garanta atendimento psicológico, saúde e acesso à justiça”, disse Márcia Viviane no plenário da Câmara.
As denúncias vieram à tona por meio da veradora Márcia Viviane (PT), que falou sobre o assunto no plenário da Câmara Municipal no dia 20 de agosto. Foto: Ascom/CMVC.
“É necessário abrir uma sindicância urgente. Essas crianças foram reviolentadas pelo Estado, aquele que deveria cuidar delas”, destacou a parlamentar. Diante das denúncias, ela buscou a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e a Secretaria de Desenvolvimento Social.
O vereador Alexandre Xandó (PT), durante sessão do Legislativo Municipal, também manifestou sua indignação sobre o caso. “É muito grave a gente pensar que no espaço de acolhimento de crianças com vulnerabilidade, elas são estupradas, abusadas. Isso é gravíssimo. Nesse sentido, chamamos a atenção do Ministério Público para que tome providência e faça intervenção”, ressaltou.
Determinação judicial
Na mesma data em que os casos de abuso sexual vieram a público (20/08), a Prefeitura de Vitória da Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, divulgou uma nota à imprensa. No texto, a gestão admitiu que já sabia das violências ocorridas na unidade de acolhimento e afirmou que estava evitando a “exposição das vítimas”.
“Mesmo antes que as denúncias […] se tornassem públicas, a situação já estava sendo devidamente apurada pelo governo municipal, com adoção das medidas cabíveis, inclusive comunicação aos órgãos competentes: Polícia Civil, Ministério Público, Vara da Infância e Juventude e Conselhos Tutelares”, diz um trecho do comunicado.
O órgão afirmou ainda que as crianças vítimas de violência foram ouvidas, por meio de escuta especializada conduzida por profissionais capacitados, e foram encaminhadas para acompanhamento psicológico. “No âmbito administrativo, o caso foi encaminhado à Corregedoria-Geral do Município, que dará andamento às apurações”, explicou.
Dois dias após a nota da Prefeitura, em 22 de agosto, a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) divulgou em seu site oficial que ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra o município de Vitória da Conquista, referente às condições precárias de ambas as unidades de acolhimento da cidade.
“Crianças que deveriam ser protegidas estavam sendo submetidas a um ciclo de violência dentro das próprias instituições que deveriam acolhê-las. A Ação Civil Pública não é apenas uma medida legal, é um grito de socorro em nome daqueles que não podem se defender. A omissão do poder público, mesmo após sucessivos alertas, tornou a intervenção judicial a única via possível para cessar a barbárie”, disse o defensor público Luciano Rocha.
A DPE/BA ajuizou uma ação contra o município a partir de denúncias feitas por Conselhos Tutelares da cidade. Foto: DPE/BA.
Diante da Ação, a juíza Julianne Nogueira Santana Rios, da 1ª Vara da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, determinou que seja realizada auditoria técnica nos abrigos, por comissão institucional independente, no prazo de 15 dias. Além disso, indicou a avaliação médica e psicológica de todas as crianças e adolescentes no prazo de cinco dias.
A decisão judicial também exigiu o reforço da supervisão nas unidades em até dez dias, com a separação física entre crianças de diferentes faixas etárias. A Justiça determinou ainda a apresentação de um Plano de Adequação no prazo de 20 dias. Caso o município não cumpra as determinações, deve pagar multa diária de R$ 5.000,00.
Abuso sexual na Bahia e no Brasil
Os casos em Conquista refletem um cenário de violência contra crianças e adolescentes em todo o país. Nos últimos quatro anos, as denúncias de abuso sexual e exploração infantil cresceram 195% no Brasil. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, a quantidade de registros recebidos pelo Disque 100 passou de 6.380, em 2020, para 18.826, em 2024. O Atlas da Violência 2025, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou que são mais de 115 mil vítimas por ano.
Na Bahia, só em 2024, foram registrados mais de 600 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. O estado foi o quinto com mais notificações de crimes como estupro, exploração sexual, importunação sexual e violência sexual mediante fraude.
*Lavínia Marinho é bolsista do Programa de Extensão Jornalismo como Forma de Transformação Social no Combate à Desinformação.
Conteúdo avuador site