Reforma administrativa levanta discussão sobre definição de servidor público

A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de deixar de fora da reforma administrativa categorias como juízes, membros do Ministério Público, militares e parlamentares levanta uma questão: magistrados são servidores públicos?

Quando apresentou a proposta, o Ministério da Economia disse que o Poder Executivo não tem autonomia para propor mudanças de regras para membros de outros Poderes, embora a proposta também tenha impacto sobre servidores da área administrativa do Judiciário.

O governo diz que juízes, desembargadores, procuradores, promotores e congresisstas obedecem a normativos próprios, que não podem ser alterados pelo Executivo.

A presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Noemia Porto, defende que são servidores públicos os funcionários do Judiciário regidos pelo artigo 37 da Constituição, que trata da organização da administração pública.

No caso de magistrados e membros do Ministério Público, ela diz que é preciso observar o artigo 92, um dos que tratam da organização dos Poderes. Segundo o texto constitucional, juízes também devem ser considerados como órgãos do Poder Judiciário.

“Quando a gente interpreta juridicamente a Constituição, a gente observa a topografia com que os temas estão dispostos no texto. Não é só uma questão de organização dos artigos, isso tem um significado jurídico e político. Servidores públicos estão vinculados à disciplina constitucional da administração pública. Já magistrados e membros do Ministério Público são tratados em uma outra topografia constitucional, da organização dos Poderes”, afirma a presidente da Anamatra.

“Nesse sentido, não tem a menor relação entre órgãos do Poder Judiciário —e os juízes são órgãos do Poder Judiciário— com os servidores públicos, que são tratados em outra parte da Constituição, relacionada à organização da administração pública.”

A presidente da Anamatra afirma ainda que os servidores têm uma lei diferente da legislação da magistratura. “O que rege a magistratura é uma lei orgânica, com status de lei complementar. O que rege o Ministério Público é uma lei complementar. O que rege os servidores é uma lei ordinária no âmbito da União, a lei 8.112/90, que não é aplicada aos magistrados”, diz.

Já Sergio Lazzarini, professor do Insper especialista na área de administração com foco na relação entre o setor público e privado, afirma que, mesmo que algumas entidades façam essa interpretação, na prática, magistrados apresentam as principais características que definem o que é um servidor público.

“É muito importante que o Judiciário seja independente, só que, do ponto de vista prático, eles também são financiados pelo setor público e têm atividade com finalidade pública. Em termos de problemas que precisam ser resolvidos, são os mesmos entraves do funcionalismo nas carreiras administrativas”, afirma.

Para Sandro Cabral, também professor do Insper, os magistrados atendem aos principais quesitos para serem considerados servidores da administração pública.

“Funcionário público é aquele que está trabalhando para alguma entidade governamental, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário. O salário tem de ser pago por meio de impostos e contribuições, são pessoas que ingressam por meio de processo seletivo e estão lá para defender os interesses da coletividade, não têm mandato político. Todas essas características se aplicam a um professor de escola primária e a um juiz”, afirma Cabral.

Folha de S.Paulo