Vinte anos depois, bloqueio de poupança do Plano Collor ainda assombra o país

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da Folha Online

A proposta de bloquear ativos financeiros era um enredo a procura de um autor no início dos anos 90, quando a inflação alcançava taxas de dois dígitos ao mês e economistas se encaravam perplexos diante da resistência do “dragão” (como a escalada de preços foi apelidada na época).

Embora rigorosamente criticado hoje como um “pesadelo”, que deixou de saldo a pior recessão da história recente do país e desorganizou a vida de milhões, o plano Collor 1 hoje é reavaliado por economistas como uma uma medida radical para um quadro de emergência da economia brasileira.

Para Zélia, hiperinflação exigia “medidas drásticas”

A sucessão de planos econômicos do governo anterior –Cruzado, Bresser e Verão– não haviam sido capazes de reverter a escalada assustadora dos preços. E deixava como herança uma sociedade que havia estabelecido uma falsa adaptação ao estado caótico do país: enquanto a população corria aos supermercados assim que recebia seus salários para a famosa “compra do mês”, o governo era obrigado a renovar o financiamento, dia a dia, da dívida pública, numa roda viva que praticamente inviabilizava as ferramentais normais do Estado para gerir uma economia.

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O então presidente Fernando Collor com Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda

Quando o então presidente Fernando Collor de Mello disse que derrotaria a inflação por “ippon” (pontuação que encerra o combate no judô), além de uma bravata, manifestava uma necessidade premente do país. Tudo poderia ficar muito pior, como as experiências da Alemanha no pós-guerra mostravam.

“Havia uma discussão enorme sobre a possibilidade de fazer isso [o bloqueio], já que as pessoas estavam crescentemente perplexas sobre o que fazer com uma inflação que não parava de subir”, afirma o professor da PUC-SP, Carlos Eduardo Carvalho, que estudou o Plano Collor em seu doutorado. “Um plano ortodoxo, convencional, já não era mais uma ideia bem aceita”, acrescenta.

Em março de 1990, o governo recém-eleito apresenta o plano Collor, que previa o bloqueio por 18 meses de todos os recursos financeiros em conta corrente acima de 50 mil cruzados novos, medida que será relaxada pouco tempo depois para os agentes públicos e algumas organizações civis. Também ficam congeladas as aplicações financeiras, inclusive o famoso “overnight”, aplicação popular entre membros da classe média.

O governo se comprometia a retornar o dinheiro com juros (6% ao ano) e correção monetária no tempo previsto, em parcelas mensais no 19º mês, o que, 20 anos depois, resultaria em uma enxurrada de ações na Justiça contra o sistema financeiro.

Além de espanto geral e das críticas de praxe, o plano também foi alvo de alguma aprovação, inclusive por algumas das vozes mais autorizadas da economia brasileira, como o ex-ministro Mario Henrique Simonsen. A população não saiu às ruas contra o presidente (sairia algum tempo depois, mas por outros motivos). Editado por meio de medidas provisórias, foi aprovado pouco depois pelo Congresso Nacional.

Em princípio, os efeitos foram drásticos sobre a inflação: em março daquele ano, o IBGE havia calculado uma taxa de 84,32% para o índice de preços IPCA, que já vinha de salto de 72,78% em fevereiro. Em abril, o mesmo índice de preços teve variação de 44,80%; em maio, de 7,87%.

O “sucesso” do plano durou pouco: em junho, a inflação já mostrava suas garras (9,55%) e em julho já havia voltado para a casa dos dois dígitos (12,95%), patamar do qual não arredaria tão cedo.

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Arte/Folha Online

Naquele mesmo ano, a taxa de inflação voltou a ficar acima dos 1.000%, enquanto o PIB (a soma das riquezas produzidas no país) encolheu 4,35%, um feito não repetido até hoje, mesmo após o mundo atravessar a pior crise em mais de 70 anos.

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O professor da PUC-SP defende que a ideia do bloqueio teve circulação entre economistas ligados ao PMDB e chegou a ser debatida entre círculos ligados ao PT, antes de ser executada pela equipe da ministra Zélia Cardoso de Mello, nomeada por um presidente que vociferou contra a ideia quando ainda candidato.

A trajetória ideológica dessa proposta mostra o grau de disposição dos formuladores econômicos da época para atacar o problema que se destacava como principal entrave ao crescimento do país e tornava frustrante o retorno à democracia após 20 anos de ditadura militar.

Arte/Folha Online

A negociação entre empresários e trabalhadores fazia parte da pauta dos debates da época. E constava do plano de governo da principal alternativa política à disposição dos eleitores em 1989: o então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas mesmo a proposta de governo do PT à época previa medidas “rigorosas” para combater a inflação. A “Frente Brasil Popular” previa a suspensão do pagamento dos serviços dívida externa; o controle de preços e uma política de abastecimento de produtos, além da intervenção estatal para “regularizar certos mercados” e “leis mais rigorosas e efetivas para combater os crimes contra a economia popular”. Com exceção da primeira proposta, e feitas as devidas ressalvas, as demais medidas foram realizadas pelo governo Collor.

“Havia muitos poucas alternativas. Talvez pudesse ter ocorrido um pacto social, como muitos falavam na época. Mas nós tínhamos uma inflação de 2.000%. É muito difícil ter qualquer negociação nessas condições”, comenta a economista Vitoria Saddi, professora do Insper (antigo Ibmec-SP).

Para Saddi, o Plano Collor 1, e as demais medidas tomadas pelo presidente em seu curto governo, preparam o terreno para o Plano Real, normalizando um pouco o quadro geral da economia. “O governo tinha perdido o controle da emissão monetária; a moeda tinha perdido o seu poder como referência dos preços. Depois do Collor, ainda havia o problema da indexação da economia, que o Plano Real atacou”, comenta.

E defende que o estado geral da economia à época necessitava de medidas mais duras.”A forma de controlar uma inflação de 2.000% é muito diferente da forma de controlar uma inflação de 200%”, afirma.

“A importância que ele teve foi de impedir a escalada da inflação. Ele conseguiu trazer a inflação para os níveis que estava em 1988. Retrospectivamente, é pouco, considerando o tamanho do estrago que foi feito. Mas não sei. Acho difícil avaliar esse momento”, reconhece Carvalho, da PUC-SP.