Aplicar Maria da Penha para proteger homem ‘não é adequado’, diz ministra

Homens já foram beneficiados pelas medidas protetivas previstas na lei.ministra30225agbrasil
Para Iriny Lopes, Judiciário é entrave para que a lei tenha maior eficácia.

“A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento dos casos, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio. (…) Muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.”

Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

Ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres (Foto: Elza Fiúza / Agência Brasil)Ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para
Mulheres (Foto: Elza Fiúza / Agência Brasil)

Há dois meses no cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a deputada federal licenciada Iriny Lopes (PT-ES) defende que a Lei Maria da Penha, criada para proteger as mulheres em situação de violência, não seja aplicada para beneficiar também homens agredidos por suas companheiras.

“A lei é clara. (…) É para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens”, afirmou Iriny em entrevista ao G1, na qual contou os planos do governo Dilma Rousseff para as mulheres. Nesta terça (8), o país comemora seu primeiro Dia Internacional da Mulher sob o comando de uma presidente mulher.

Desde a criação da Lei Maria da Penha, há 5 anos, diversos juízes já aplicaram medidas protetivas para homens. Há poucos dias, a Justiça do Rio Grande do Sul concedeu benefício para um homossexual. A proteção dos homens, no entanto, não é consensual no Judiciário. A Lei Maria da Penha, da qual Iriny Lopes foi relatora na Câmara dos Deputados, ainda é alvo de outras discussões, como, por exemplo, se o texto é constitucional por diferenciar homens de mulheres, se o processo deve terminar caso a mulher desista da queixa ou se a lei deve ser aplicada em relações casuais.

Para tentar reduzir parte das controvérsias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu durante sua gestão que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O caso está com o ministro Marco Aurélio Mello, mas não há previsão para julgamento da ação.

Na opinião da ministra Iriny Lopes, o grande entrave para melhor aplicação da Lei Maria da Penha é a demora para o julgamento dos processos. “A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento dos casos, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio. (…) Muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.”

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com a ministra Iriny Lopes.

G1 – Quais são os planos do governo Dilma para as mulheres em 2011?
Iriny Lopes – A presidenta vai cumprir alguns compromissos de campanha nessa questão da mulher. Teremos a inauguração de algumas creches, das 6 mil que ela se comprometeu a construir. Estamos procurando ampliar e qualificar o programa de atendimento à prevenção do câncer de mama e colo de útero. Nós já estamos trabalhando no sentido de ampliar a formação de professores que vão trabalhar a diferença de gênero e diversidade. Tem também a qualificação profissional da mulher para profissões até então consideradas masculinas, como a construção civil. Para que essas mulheres possam disputar espaço nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

G1- Mas o governo deve tomar alguma atitude para que as mulheres efetivamente atuem nessas obras públicas?
Iriny Lopes –
Isso tudo está sendo conversado porque o governo não pode fazer imposição às empresas que ganham licitações. Por parte do governo, vamos cuidar da qualificação das mulheres.

G1 – E como o governo vai contribuir para a inclusão da mulher nas propostas da reforma política, que começou a ser discutida no Congresso?
Iriny Lopes –
É um compromisso do governo em contribuir nessa discussão sobre a presença da mulher na política. As comissões na Câmara e no Senado estão constituídas, e a Secretaria de Políticas para Mulheres vai atuar ativamente. De modo geral, defendemos que haja condições de igualdade para mulheres nas listas (o PT é favorável ao voto em lista fechada, no qual o eleitor vota na legenda e o partido indica uma lista de parlamentares), condição de igualdade no financiamento da campanha, tempo de TV garantido às mulheres e o financiamento na formação política nos partidos para que questões de gênero sejam contempladas nos programas de governo e partidários.

Estamos construindo um grupo de trabalho para viabilizar um banco de dados. Inclusive uma das determinações da lei Maria da Penha é que haja um banco de dados no país que faça demonstrações confiáveis sobre violência doméstica e intolerância de gênero”
Ministra Iriny Lopes, ao informar que o governo federal discute a criação de um banco de dados sobre violência contra a mulher

G1 – Os casos recentes de violência contra a mulher, como o da vendedora Vanessa na Grande São Paulo, dão a impressão de que está aumentando o número de casos. Há algum indicativo de que isso seja verdade?
Iriny Lopes –
O Mapa da Violência (estudo divulgado pelo Ministério da Justiça no fim de fevereiro), embora considere os dados até 2008, ele mostra uma tendência de ampliação dos homicídios de mulheres. Aumenta o número de homicídios de jovens, população negra e tem um indicativo do aumento de homicídios de mulheres. Não temos dados para afirmar com segurança que essa violência é motivada pela condição de gênero. Inclusive discutimos o assunto com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e estamos construindo um grupo de trabalho para viabilizar um banco de dados. Inclusive uma das determinações da lei Maria da Penha é que haja um banco de dados no país que faça demonstrações confiáveis sobre violência doméstica e intolerância de gênero.

G1 – Há muitas críticas, inclusive dentro do Judiciário, contra a Lei Maria da Penha. De que ela não tem funcionado adequadamente para punição dos casos de violência.
Iriny Lopes –
A Lei Maria da Penha precisa ser protegida. É um instrumento fundamental e indispensável para o enfrentamento da violência praticada contra a mulher. A ONU elegeu a lei como uma das três melhores legislações de enfrentamento à violência no mundo. Em pesquisa recente, a lei contou com aprovação de 83% da população. O que temos é um debate dentro do Judiciário que precisa ser superado: a definição da constitucionalidade da lei, para que as instâncias inferiores não fiquem debatendo isso e os julgamentos se tornem mais céleres. A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio.

G1 – Mas a senhora não acha que a lei pode ser melhorada?
Iriny Lopes –
Eu fui relatora da lei, sou contrária a mudanças na lei. Para mim, a lei é clara, o que precisa é agilidade na Justiça. Estamos conversando no sentido de sensibilizar o Judiciário de que ele tem a mesma responsabilidade na proteção das mulheres no que tange o enfrentamento da violência do que o Executivo. Se nossa responsabilidade é investir em delegacias, núcleos de atendimento, casas-abrigo, o Judiciário tem a dele na constituição de varas especializadas como forma de reduzir o número de homicídios. As mulheres brasileiras esperam isso. Cresceu o número de denúncias não porque aumentou o número de casos, agressões, mas porque cresceu a confiança de que agora há um instrumento legal capaz de punir ações violentas.

Estamos dialogando, incentivando, mostrando a importância da criação de varas especializadas. Mostrando que muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.”
Ministra Iriny Lopes, ao citar que a demora para julgamento dos processos é um dos entraves para melhor aplicação da Lei Maria da Penha

G1 – Mas ainda há poucas varas especializadas em violência doméstica. O governo federal não pode cobrar o Judiciário ou tomar alguma outra atitude para que isso mude?
Iriny Lopes –
O Judiciário é um poder constituído independente do governo. O Executivo é um poder, o Legislativo outro. Poderes são independentes e constitucionalmente não se pode interferir. Estamos dialogando, incentivando, mostrando a importância da criação de varas especializadas. Mostrando que muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.

G1 – E sobre a aplicação da Lei Maria da Penha para homens, que tem ocorrido em alguns casos? Há também outra polêmica sobre aplicação para relações casuais. Qual a avaliação da senhora?
Iriny Lopes –
A lei é clara, trata de gênero. Não importa se é casada, namorada, irmã, filha. E não sou contra a aplicação para homens, mas nesses casos tem a legislação comum. A Lei Maria da Penha é para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens. O homem quando é agredido é por outra motivação que não o fato de ser homem. A mulher é agredida pelo fato de ela ser mulher.

G1 – Mas a lei protege só a mulher porque fisicamente ela é mais fraca?
Iriny Lopes –
A mulher é agredida porque historicamente foi considerado natural agredir uma mulher. É um fato cultural, histórico, que estamos nos esforçando para romper. Não há naturalidade alguma na agressão contra a mulher. O pai podia bater, o irmão, o tio. O homem podia bater, abusar sexualmente e financeiramente. A violência advém desse processo. Pela força física também, mas não exclusivamente. Se a mulher não tem força para carregar um peso ‘x’, o homem também não tem a mesma resistência que a mulher em situações como a dor, por exemplo. E não estou dizendo a dor do parto. É o fato de ir ao trabalho sofrendo doenças, por exemplo. A questão física, a natureza dá conta de equilibrar.

G1 – E o que precisa então para que os casos de violência contra mulher diminuam de fato?
Iriny Lopes –
Uma combinação de coisas. A lei é um instrumento para isso, ajuda a mudar posturas e a cultura. Mas é necessário construir uma nova escola, com nova mentalidade, que não faça diferenças entre meninas e meninos. A lei vale, os programas sociais valem.

A atual legislação determina que o Estado brasileiro atenda as mulheres e que ninguém pode ser vítima fatal em função dessa situação. Nós cumpriremos rigorosamente a lei.”
Ministra Iriny Lopes, ao explicar porque o governo deve proteger as mulheres que fazem aborto

G1 – E como a senhora acha que a presidente Dilma está ajudando nesse processo cultural, nesses dois meses? Já há um favorecimento da condição da mulher?
Iriny Lopes –
A figura dela no poder estimula o conjunto da sociedade brasileira, que também repercute no resto do mundo. A presidenta colocou o combate à miséria no centro do governo. E na população miserável e pobre, a maioria é mulher e negra. Então, a questão da mulher, de raça e geracional é o centro da preocupação do governo.

G1 – A senhora já defendeu publicamente que o governo federal precisa atender as mulheres que querem abortar. O governo não deveria estimular essa discussão?
Iriny Lopes – A atual legislação determina que o Estado brasileiro atenda as mulheres e que ninguém pode ser vítima fatal em função dessa situação. Nós cumpriremos rigorosamente a lei.

G1 – Mas a senhora, particularmente, não acha que o tema aborto deve ser discutido?
Iriny Lopes –
Não acho nada particularmente. Sou membro do governo, e como governo, eu sigo as determinações.