Artigo: Diálogo do Boêmio com a Morte.

A vida de um Boêmio é como um sonho dentro de outro sonho ou um pesadelo dentro de outro pesadelo depois de uma boa farra. É uma mistura de ficção e de realidade, ou de coisas reais e abstratas, de quimeras, ilusões e esperanças, quase sempre não realizadas.

A morte, sempre será sua companheira nas noites de insônia.

O Boêmio é um ser ímpar! Sempre protegido “unicamente” pelo seu parceiro universal que também é poeta, (Deus). A crença de que: “Deus protege os loucos e os bêbados” é antiga e inabalável. E parece ser verdade, Deus conhece suas fragilidades e seus corações desprovidos de maldade.

O mundo através dos tempos vem sendo desafiado pelas doenças! O homem com sua frágil ciência vem travando grandes batalhas com a morte, ganha umas e perde outras. E tudo leva a crer que a muquirana tem se esquecido dos boêmios, dos poetas e dos velhos, que estão vivendo cada vez mais.

Num passado não muito distante a falta de higiene deu origem a verdadeiros monstros a que chamavam de pestes ou epidemias, como a lepra ou hanseníase, as famosas pragas da Europa medieval, e outros tipos de pestes e gripes, que quase devastaram com a humanidade na época. Hoje a ciência do homem reconhece que a maioria destes males tem origem na ingestão da carne e da convivência com os animais hospedeiros das pestes. Só que o homem nunca parou de matá-los para saciar sua fome…

No final do mês de maio de 2010 me preparei para vacinar contra a gripe, isto, numa sexta-feira. Mas, como na quinta tinha tomado um porre dos diabos, já amanheci com o vírus da gripe H1N1 ou influenza A, e não pude ir vacinar. Na noite de sábado a situação se complicou e eu não pude mais respirar. Aí, comecei a falar com Deus pedindo socorro e perdão pelos meus pecados. Para minha surpresa! Quem estava em pé na beira da minha cama! Ela mesma, a morte com sua foice na mão! Estremeci-me todo, levantei, depois calmamente sentei na cama e perguntei a ela: O que você quer? Ela respondeu, dizendo: – Vim atender teu chamado e levantou a estrovenga, rápido, agarrei o seu braço com força e perguntei: – E o nosso trato de eu viver até os oitenta anos? Você não vai cumprir?   Ao que ele respondeu! Quem quebrou o trato foi você, que está fazendo tudo que pode e que não pode – fumando, bebendo, perdendo noites e achando que ainda é um menino. Respondi em cima da bucha! Eu não Senhora: Trato é trato. Eu ainda preciso cuidar de meus filhos e de meus netos, e do meu amor que está aqui dormindo ao meu lado!

Ao que ela respondeu: Está tudo bem! Vou te dar mais uma chance, por causa dela; que mesmo sabendo que tu não presta ainda te ama, pois, quanto mais ela te ama, mais ela vai sofrer. Mas, tem uma coisa!!!… Vais ter que deixar o cigarro e as extravagâncias! Não chega o teu tempo de juventude? Ao que eu respondi de pronto! Combinado! Só que agora quero mais dez anos, quero chegar aos noventa anos, certo? – ela disse: Esse trato não é comigo, é com aquele que te criou e a quem tu pede socorro quando me aproximo de ti, e já foram muitas vezes que ele te salvou! Já te esqueceu?  – Negativo lembro-me de tudo: Ao que ela retrucou: – Agora vou indo que tem um avião caindo com mais de quatrocentos passageiros na Líbia, depois falaremos de novo. Até breve, – eu aliviado, respondi com veemência: – Até breve coisa nenhuma, esqueça que eu existo. Ela botou a estrovenga no ombro e disse: Veremos…

Este papo com a velha da foice não podia deixar de ser registrado para lembrar de que no mundo tudo é possível e de um tudo há! E olhe que este não foi o nosso primeiro encontro.

E de que, nada é impossível para Deus, que sempre está disposto a ajudar seus parceiros preferidos, os Poetas Boêmios.

Florisvaldo Rodrigues

O Poeta dos Sonhos

Vitória da Conquista – Bahia, início do outono de 2010