Artigo: O CARNAVAL E DEFINITIVAMENTE UMA FESTA POPULAR

 

CARNAVAL, FESTA POPULAR

O carnaval de rua é a festa do povo que pula, samba e brinca, cantando as músicas da época, as marchinhas de carnaval: Mulata bossa nova, Índio quer apito, Me dá um dinheiro aí, Se a canoa não virar, Chiquita bacana, Aurora, Tá-hi, Saca rolha, Cadê Zazá, A pipa do vovô, Teu cabelo não nega, Cabeleira do Zezé, Mamãe eu quero, Turma do funil, Ô abre-alas, Jardineira, Maria sapatão, Alah-Lá-Ô, Vapor de Cachoeira etc. e sambas em geral.

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Foi entre 1949/1950 que Oflávio Torres (Flavinho) associou-se a Chiquinho Gavião (Francisco Ramos da Silva), proprietário da Banda Lira, com os seus músicos componentes: Cochila, Esclepildes, Miranda, Benedito, Vavá, Tibúrcio, Lucílio, João Coelho (Binha) e outros e animaram o carnaval da época em Brumado. Seu Basílio Trindade foi pessoa importante nesse desiderato com o seu trabalho artístico.

 

Nesse carnaval, Oflávio criou, com o viajante Nacim Fauaze, um carro alegórico em cima de uma prancha que caracterizava um navio, cuja chaminé era acionada, produzindo uma névoa com talco da Magnesita, como se fosse fumaça. O carro movia-se por meio de um caminhão e as componentes do bloco eram moças da sociedade, como Thelma Torres, Nely Azevedo, Maria de Lourdes Viana, Maria José Trindade, Dolores Machado, Zenaide Schetini e outras. As moças vestiam-se de marinheiro: roupas brancas com listras azuis. A comandante Thelma dirigia a equipe com um apito e todas faziam continência e cantarolavam as músicas pertinentes.

 

O povo se esbaldava pulando e cantado, num divertimento de alegrias, harmonicamente, sem violências nem rebeldias. O carnaval é a festa popular mais celebrada do Brasil, festa do povo, um espaço para as manifestações sociais e de afirmação cultural. É uma expressão de sentimentos, caindo na gandaia pelas ruas da cidade. Nessa época, o carnaval de Brumado restringia-se às ruas Exupério Canguçu e do Asfalto e às praças Cel. Santos e da Estação, onde se encerrava o desfile do bloco, quando havia a distribuição de picolés pela Sorveteria Íris, de propriedade de Oflávio. Muitos se fantasiavam, usavam lança-perfume (naquela época não havia qualquer restrição ao seu uso), arremessavam serpentinas e jogavam confetes. Pierrô, Colombina, mascarados, foliões trajando as mais variadas fantasias e os não fantasiados pulavam atrás da banda, participando da alegria proporcionada pelos folguedos e pelas músicas.

 

Naquela época, Chiquinho Gavião era proprietário do Cabaré Anjo Azul. As “mulheres da vida”, como eram tratadas, não faziam parte dessa festa de rua, por discriminação das famílias elitistas da época em relação a elas, que eram malvistas pela sociedade puritana. Dona Dazinha, esposa de Chiquinho, costurava as fantasias, e o esposo promovia, com a sua banda e os músicos componentes, um carnaval supimpa no Anjo Azul, com o devido respeito e decência no ambiente festivo. Igualmente o cabaré BBR instalado no bairro São Felix e no meretrício da Rua da Gameleira animava os foliões frequentadores desse ambiente.

 

Em 1951, a elite passou a brincar o carnaval no Clube Social de Brumado, fundado por seu Agnelo Azevedo. Em 1954, os operários fundaram a União Recreativa de Brumado, espaço onde a classe operária se esbaldava nos animados bailes de carnaval.

 

Em 1955, o senhor Agnelo Azevedo contratou o Jazz Ubirajara, com a direção de Lindembergue Cardoso, músico famoso que tocava vários instrumentos, da cidade vizinha de Livramento, para animar o carnaval brumadense. Quando entraram em Brumado, anunciaram a sua chegada tocando a marcha Confetes Dourados. Deram uma volta pela cidade e foram hospedar-se na pensão de Dona Maria Lisboa. Tocaram quatro noites e duas matinês. Dentre os componentes do grupo, merece referência o senhor Zé Primo (baterista), músico que aqui residiu por muitos anos. Na sua vinda para Brumado, Zé Primo trouxe um órgão eletrônico, novidade por aqui, e montou Os Zorbas, banda que foi sucedida pelo Super Som 100. Ainda sob a sua iniciativa, surgiram as bandas Nova Geração e ZP5.

 

Em 1959, um carnaval animadíssimo aconteceu no Clube Social de Brumado, com a eleição da rainha do carnaval, a senhorita Nely dos Santos Azevedo e das princesas Maria Helena Viana Machado e Alaíde Santana. A União Recreativa de Brumado também festejou o carnaval em seu prédio próprio. Ali os foliões desfrutaram, com muita alegria e disposição, essa festa emocionante.

 

Naquela época, Manoel Branbão, funcionário do DERBA, festeiro, tinha um clube particular, onde também se realizavam muitas festas, inclusive carnavalescas.

 

Depois veio o Clube Social Cultural Recreativo de Brumado, fundado em 13/05/1972, local de muitas festas e carnavais, com bailes noturnos e matinês para as crianças e adolescentes.

 

Nely Azevedo relembra a época em que a cidade era ainda pacata: “Não havia nenhum perigo, jovens e idosos brincavam sem temer qualquer violência ou agressão física. Os membros dos blocos cantavam ao som dos acordes da banda de seu Chiquinho Gavião que tocava as marchinhas daquela época. Desfilava também o bloco Puxa-sacos e as caretas caracterizadas. Havia uma tarde de carnaval com mulheres fantasiadas, usando muitas plumas e paetês. Nas manhãs de carnaval, pessoas vestidas de animais: gatinhos, ursos e outros traduziam a imaginação do folião. Essa brincadeira consistia na imitação dos sons dos animais caracterizados que animavam a festa”.

 

Nely acrescentou: “Oflávio Torres, além de festeiro e carnavalesco, distribuía prêmios e foi grande incentivador do carnaval e de outras festas em Brumado. Foi pioneiro na arte cinematográfica com o Cine Cairu, proporcionando mais opção de lazer aos brumadenses com os programas de calouro, aos domingos, com brincadeiras e participação de cantores amadores locais que divertiam a todos, portanto um homem progressista que desenvolveu outros empreendimentos pioneiros de que a cidade prescindia. Saudades, muitas saudades daquele tempo maravilhoso de inesquecível memória”.

 

“No carnaval de 2014, intitulado CarnaBrumado – Agora é para valer, todos devem se divertir e nunca usar de violência, para que possam desfrutar os momentos de alegria dessa festa maravilhosa. Feliz Carnaval para todos!”. Concluiu Nely Azevedo.

 

RETROSPECTIVA: em 1926, com a chegada da primeira marinete (jardineira) à Vila Bom Jesus dos Meiras, foi organizada uma sociedade musical pelo Padre José Dias e pelo senhor Armindo Azevedo. Eles criaram, nessa época, as raízes do carnaval em Brumado, pois um ajuntamento de pessoas acompanhava a jardineira que levava os músicos, os quais eram responsáveis pela animação dos foliões que cantavam e sambavam ao som dos acordes das marchinhas, no percurso da Praça Cel. Santos (atual Armindo Azevedo) até a Rua da Gameleira.

 

Na década de 1970, os barezinhos, a exemplo do Casarão, da Casa Branca etc., animaram seus frequentadores com artistas ao vivo, que cantavam músicas variadas do cancioneiro nacional.

 

Na comemoração do Centenário de Brumado (11/06/1977), o Trio Elétrico Tapajós animou o “Micaretão 100”, fato inédito em Brumado, que recebeu, pela primeira vez, um trio elétrico no formato moderno e estilizado. No carnaval de rua de Brumado, o prefeito da época garantiu o sucesso dessa festa, contratando o trio elétrico Patury, que contou com a adesão maciça da população, num clima de tranquilidade e sadia alegria, característico do brumadense.

 

Em 1978, desfilando em uma brasília, entre a loja Cedol e a J. O. Neves, um grupo de jovens carnavalescos fez nascer o bloco Germes da Era, cujos componentes, todos homens, vestiam-se com as cores que o caracterizavam: vermelho e branco. Inicialmente se apresentava no Clube Social. Em 1979, essa associação promoveu um concurso de blocos carnavalescos, sendo campeão o Germes da Era, quando desclassificou o Geração 80 e o Nem e Mé. Deu-se aí o início de um período competitivo entre os blocos. Em 1980, o Germes realizou o carnaval de rua, tornando-se o precursor do carnaval de rua em Brumado. Antes mesmo do trio elétrico, já se apresentava embalado pela banda Lira Ceciliana. Em 1983, as mulheres conquistaram o seu espaço no bloco. As crianças também tiveram a sua participação através do Baby Germes que desfilava nas tardes do domingo e da terça-feira de carnaval.

 

Até 1980, o carnaval de rua era realizado até a meia-noite, quando os foliões se dirigiam ao Clube Social. Nesse mesmo ano, algumas mulheres resolveram desafiar o preconceito da época e entraram na folia do Geração 80, por isso foram tachadas de “Galinhas” pela audácia da participação. O bloco Geração 80 transformou-se no bloco Poleirão. Na década de 90, este bloco extinguiu-se, porém surgiram outros, como o Galera 20, Explosão, Gata-Preta e Tô Legal.

 

A partir de 1981, o carnaval de rua de Brumado passou a ser reconhecido na região, pelas suas atrações e blocos, atraindo pessoas de cidades vizinhas que não festejavam o carnaval. Foram construídos os primeiros trios a bateria que animavam os foliões com batucadas e cavaquinhos (guitarra baiana). Foi nessa época que surgiu, em oposição a Os Magnatas, o Trio Aguenta Coração, com músicos brumadenses, como Cloves Coqueiro e seu cavaquinho elétrico, famoso pela sua habilidade de instrumentista. Surgiu também a Banda Vírus.

 

Em 1982, a banda Os Magnatas encarregou-se de animar a campanha eleitoral sucessória de determinado candidato, a qual recebeu da oposição o nome “Maguari”, em alusão ao formato do trio, de um sorvete maguari da Kibon. O Sindicato dos Mineradores Organizaram o SINDSHOW que, ao som da banda Nova Era (posterior Bandativa), animava as festas de fins de semana.

 

Em 1989, trios modernos, mais bem equipados, vindos de outras cidades fizeram o carnaval eletrônico de Brumado com bandas e cantores, tornando-o reconhecido em âmbito estadual. Diante desse sucesso, o carnaval de Brumado passou a atrair, além de pessoas das cidades vizinhas, gente de outros Estados.

 

A década de 1990 marcou o surgimento das bandas Grupo Escala, O lamba samba, Discípulos de Edie, Urublues e, por último, a banda Mais Macho que Mulher.

 

Em 1996, foi fundado o bloco Explosão por pessoas aficionadas pelo carnaval. Em 1997, esse bloco fez parceria com o Tô Legal, levando para o circuito as atrações: Gera Samba (Carla Perez), Pierre Onassis e Trio Tiradentes. Na diretoria dos festejos desse carnaval, figuravam as seguintes pessoas: Miguel Lima Dias – presidente –, Vivaldo José Ferreira, Joilson José Tavares, Ivan Meira dos Santos, Márcio Augusto Valente Pinho, Hosanah Cotrim Rizério e Antônio Lúcio Vieira dos Santos.

 

Em 2002, surgiu o bloco Bandeira Branca, cujos componentes saíam pelas ruas centrais da cidade embalados pelo som de uma banda tocando marchinhas de carnaval. Jogavam confetes e serpentinas e acenavam lenços brancos que expressavam a denominação do bloco com muita alegria. Os foliões eram bem entrosados e dele participava toda classe social, sem discriminação, além de proporcionar às crianças e adolescentes o deleite dessa festa. Em 2003, com o apoio da prefeitura, foi incluído oficialmente na programação do carnaval, sendo procurado por pessoas de vários lugares para compartilhar a alegria e a paz da folia do bloco. Posteriormente, usaram um carro de som e improvisaram um trio elétrico em meio aos trios potentes e modernos. “Em meio a tantas mudanças, o Bloco Bandeira Branca tenta resgatar a época em que brincar Carnaval era somente se divertir, dançar, cantar as mais lindas marchinhas, lançar confetes e serpentinas que tanto enfeitam essa diversão” (Direção do Bloco Bandeira Branca).

 

Em 2007, a Banda Tradição foi a revelação do carnaval, que tocou marchinhas e frevo na Praça Cel. Francisco de Souza Meira, no coreto, em frente à Igreja Matriz, para o grupo da Terceira Idade – Viva a vida viva bem.

 

Em 2008, as bandas Lira Ceciliana Brumadense e Tradição tocaram no coreto, alternadamente, no período do carnaval. A Lira Ceciliana Brumadense, fundada em 1961, teve papel destacado nos carnavais brumadenses. Os seus músicos tocavam também no cabaré de Arlindão, onde membros da elite se misturavam com pessoas simples para brincar, sem qualquer preconceito.

 

Vale ressaltar a participação, também, no carnaval de Brumado, de artistas locais do cenário musical: Dinho Ataíde, Kell Souza, Luciano Pauferro, Joílson, Mazinho, Peninha, Sílvia Marte, Paula Mello, Ricardo Silésio, China, Cid, Jorginho do teclado, Amarilho, Tiago Vandré, Nel, Carcará, entre outros.

 

Enquanto muitas cidades do interior preferiam fazer o carnaval fora de época – a micareta –, Brumado conservou a data e era considerado como o melhor carnaval do interior da Bahia pelas suas apresentações de cantores e bandas famosas com seus trios elétricos e a criatividade dos foliões que animavam a festa de momo.

 

Brumado ficou algum tempo sem a tradicional festa de carnaval da cidade – que dava alegrias ao povo em suas manifestações, extravasando suas emoções e sentimentos –, por conta da obstinação do gestor público da época em não realizá-lo, pois elegeu outras prioridades, como educação e saúde, esquecendo-se de que o povo também necessita de diversão.

 

O gestor atual conscientizou-se dessa carência e vai proporcionar ao povo a festa brasileira mais popular do mundo e uma tradição local, que além de proporcionar alegrias aos foliões, muitos da comunidade têm a oportunidade de usufruir economicamente dessa festa. Nem só de trabalho vive o homem, o lazer faz parte do seu desfrute.

 

Alegria, Alegria! Viva o Carnaval!

 

 

Antonio Novais Torres

[email protected]

Brumado, em 25/02/2014.

 

Fontes:

Miguel Lima Dias;

Secretaria de Educação (Na pessoa da senhora Maria de Lourdes Santos Oliveira);

Revista do Centenário de Brumado;

Causos de Músico – Lindembergue Cardoso;

União Recreativa de Brumado – Estatuto;

O Jornal de Brumado – Adalberto Gomes Prates;

Jornal Tribuna da Bahia – Suplemento 100 anos de Brumado, em 11/06/1977;

Revista Estados & Municípios ano V, nº 40 em 1979;

Célia Maria Teles Dias;

Texto de Nilzete Dias (Germes da Era);

Entrevistas realizadas.