Copa do Mundo – Os foguetes fúnebres e o dia seguinte

Paulo-Pires 222

 

 

Paulo Pires –

 

Nosso personagem de repente foi acometido por um pessimismo medonho.  Baixou sobre ele um  astral cinzento prenunciando uma hecatombe esportiva. Para não ver o jogo de ontem,  abriu o portão de casa às 5 da tarde e de carro, subiu a Rua Mozart Cardoso no Bem Querer, entrou na Juca Barros,  Jardim Candeias, subiu pela José Pereira, passou pela Idália Santos, desceu pela Paulo Amorim e voltou pela Juca Barros entrando de novo no Bem Querer.  Passou pela porta de casa e rumou pelo Inocoop II até chegar à Olívia Flores.  Devagarzinho, olhando para o relógio do veículo, 5 minutos do jogo  se passaram e nenhum foguete.  Passou pela AABB e chegou à Rosa Cruz até entrar na Siqueira Campos.  11 minutos e eis os primeiros foguetes (muito discretos). Esses foguetes discretos  não eram para comemorar gol do  Brasil.  Era para o gol  de Muller.

Seguiu em frente, passou pela Praça Barão do Rio Branco, tudo em silêncio.  Fez uma breve parada e resolveu ir até ao Guarani.  22 minutos.  Mais um foguete discreto (gol de Klose aos 23 minutos).  Passou mais um tempinho, outro foguete  (Toni Kroos, convertia aos 24).  Dois minutos depois, foguete de novo para outro gol de  Toni Kroos (aos 26).  Passaram-se mais 3 minutos e mais um foguete discreto,  quinto gol,   Sami Kedira.

Nosso personagem começou a perder também o controle, ficou com cara de quem foi flagrado em delito e não ter justificativa para sua ação.  Não quer mais ouvir foguete, nem  rádio. Também não queria ouvir foguetes.  Sentiu que o mundo veio abaixo.  Rodou, rodou o máximo que pôde pela cidade.  Às 19 horas chegou em casa e ligou  a internet (nem quis ver  TV):  7 a 1 para a Alemanha.  Uma lavagem, um  placar nunca visto em uma semifinal de Copa do Mundo.  Ligou o som da sala  e ouviu a intérprete Simone cantando de Chico  Buarque e Milton Nascimento Á flor da pele:

O que será que me dá  – Que me bole por dentro, será que me dá – Que brota à flor da pele, será que me dá – E que me sobe às faces e me faz corar E que me salta aos olhos a me atraiçoar – E que me aperta o peito e me faz confessar – O que não tem mais jeito de dissimular E que nem é direito ninguém recusar – E que me faz mendigo, me faz suplicar – O que não tem medida, nem nunca terá – O que não tem remédio, nem nunca terá –  O que não tem receita

O que será que será –  Que dá dentro da gente e que não devia – Que desacata a gente, que é revelia – Que é feito uma aguardente que não sacia – Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar – Nem todos os ungüentos vão aliviar – Nem todos os quebrantos, toda alquimia –  E nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá –  O que não tem cansaço, nem nunca terá – O que não tem limite

O que será que me dá – Que me queima por dentro, será que será – Que me perturba o sono, será que me dá – Que todos os tremores me vêm agitar – Que todos os ardores me vem atiçar
Que todos os suores me vêm Encharcar – E todos os meus nervos estão a rogar – E todos os meus órgãos estão a clamar – E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá – O que não tem governo, nem nunca terá – O que não tem juízo!