Previdência Social:  como funciona,  quais as regras  e o que é a reforma

 

Em época de debates sobre a previdência, ainda há pouca informação sobre o tema condensada em um único lugar. Muitas pessoas tendem a olhar a ideia com certa estranheza e até fazem-se irredutíveis, adotando premissas como “nenhum direito a menos” ou “não abro mão de um direito fundamental”. No entanto, é preciso analisar o problema de forma ampla, entender o que é a previdência atualmente, o porquê de uma reforma, e as opções que estão além do sistema.

Como funciona a previdência social no Brasil

A Constituição estabelece no Art. 201 que:

A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

Assim, a previdência social é um seguro público, coletivo e compulsório. Deste modo, todos os trabalhadores economicamente ativos são obrigados a aderir ao sistema de maneira forçada, sob pena de crime de suprimir ou reduzir a contribuição social previdenciária, tipificado no Código Penal no Art. 337-A, com pena de dois a cinco anos, além de multa e do pagamento da quantia principal devida.

A Previdência Social está inserida dentro do Sistema de Seguridade Social brasileiro, também responsável por programas de assistência social (como o Bolsa Família) e voltados à saúde pública (como o SUS). O custo do sistema de seguridade social brasileiro é composto por receitas provenientes da (I) União, (II) de Contribuições Sociais e de (III)outras fontes.

As contribuições sociais são bancadas por empregados (por meio de contribuição sobre a sua renda, variando entre 7,65% a 20% do salário-de-contribuição, de acordo com o tipo de segurado) e empregadores (através de uma série de tributos, como CSLL, COFINS, e uma contribuição previdenciária de ao menos 20% sobre o valor total da folha de pagamento).

Constituem outras fontes de financiamento 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal, 50% do arrecadado com bens expropriados por crimes ligados ao tráfico de drogas e trabalho escravo, a renda líquida das loterias, excetuando-se o destinado a programas de crédito educacional como o FIES, além de fontes previstas em leis específicas.

Apesar do Orçamento da Seguridade Social poder ser gasto quase que integralmente no custeio da Previdência, esta seria uma medida que diminuiria os valores gastos em áreas como assistência social e saúde pública. De fato, como discutiremos ao longo do texto, a necessidade ou não de uma Reforma da Previdência passa pela discussão de quanto estamos dispostos a cortar de outras áreas a fim de manter o funcionamento do nosso sistema previdenciário.

Por fim, além do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para os trabalhadores do setor privado; a União também é responsável por administrar o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), destinado aos funcionários públicos federais, e gerenciar as contribuições para o sistema de pensões das Forças Armadas.

A previdência social é um esquema de pirâmide?

O Brasil adota um sistema previdenciário de repartição simples, isto é, os atuais contribuintes pagam o prêmio dos que já estão aposentados, na expectativa que no futuro haja outros contribuintes para pagarem por seu prêmio. Em resumo, quem entra no sistema paga o investimento de quem é mais antigo e está no topo dele.

Curiosamente, montar um sistema parecido, mas privado, seria crime em nosso país. Um arranjo em que quem está entrando agora só receberá se mais pessoas entrarem e o empurrarem para o topo da “pirâmide” é crime de acordo com a Lei Contra a Economia Popular (Lei nº 1.521/51), assim disposto:

Art. 2º. São crimes desta natureza: 

IX – obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes);

O porquê de uma reforma?

Formulada na primeira metade do século XX pelo demógrafo americano Frank Notestein para renater, com um método lógico, a teoria Malthusiana, a teoria da transição demográfica.  afirma que o crescimento populacional ocorre em ciclos e de acordo com os estudiosos da teoria, cada ciclo consiste de quatro fases:

  • 1ª fase (pré-transição)há um certo equilíbrio entre as taxas de natalidade e mortalidade, porém ambas com números muito altos. Essa fase geralmente é notada em países com baixo desenvolvimento econômico e social.
  • 2º fase (aceleração)aqui ocorre o crescimento acentuado da população, por um aumento na expectativa de vida e redução da taxa de mortalidade, dados por questões sociais como melhor acesso à saúde, saneamento básico, acesso à água potável etc.
  • 3º fase (desaceleração)redução da natalidade, por uma intensa urbanização, planejamento familiar, inclusão da mulher no mercado de trabalho, estima-se que o Brasil viveu essa fase a partir da década de 70.
  • 4º fase (estabilização): a taxa de natalidade e mortalidade se equilibram em números muito baixos.

Desde o início da década de 70, o Brasil passou a viver sua fase de desaceleração, e agora se encontra no início da sua fase estabilização com uma taxa de natalidade menor que o necessário para manter o crescimento populacional, isto é, acima de dois filhos por mulher.

Em um país com um sistema previdenciário de repartição simples, a estabilização populacional pode ser um grande problema. O número de aposentados subirá enquanto o de contribuintes diminuirá, gerando déficits e a necessidade para que cada vez mais dinheiro seja gasto apenas com o pagamento de aposentadorias.

Em uma tentativa de contornar o problema, o Governo Federal continuamente vem apresentando proposta de Reforma da Previdência. Fernando Henrique Cardoso, Lula, e Dilma Rousseff realizaram em seus governos alterações no sistema previdenciário brasileiro dificultando as regras para aposentadoria. De fato, alguns meses antes do seu impeachment, Dilma sinalizou à sua base que proporia uma profunda reforma na previdência brasileira.

Desta vez não foi diferente e ainda em 2017, o governo anunciou mais uma tentativa de reformar a previdência. Em seu discurso, o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles demonstrou preocupação com a transição demográfica, afirmando: “No atual ritmo, em 2060, vamos ter apenas 131 milhões de brasileiros em idade ativa (hoje são 141 milhões). No mesmo período, os idosos crescerão 263%”.

Permanecendo nesse ritmo, num futuro não tão distante haverá uma severa crise econômica, fazendo a população economicamente ativa pagar uma carga tributária maior que atual, mas apenas para sustentar a população de aposentados, sem nenhum tipo de assistência social, saúde, segurança, ou qualquer outra coisa!

O economista do Insper Marcos Lisboa estima que em 2060, se nada for feito, 1 em cada R$ 4 produzidos no Brasil será gasto apenas com aposentadorias e pensões. Para ele, a gravidade desta conta se esconde nos detalhes. Com toda a renda sendo consumida em aposentadorias e pensões, não sobraria dinheiro para fazer investimentos e aumentarmos nossa produtividade, nos tornando mais pobres. Além disso, problemas como greves por atrasos de salários – como realizada no Rio Grande do Norte – e incapacidade de fazer frente ao crime organizado por falta de orçamento se tornariam cada vez mais frequentes.

Ainda assim, vale salientar, que a reforma proposta pela equipe do governo não resolve o problema, nem torna a previdência superavitária. Neste momento, ela apenas dá um alívio nas contas públicas de alguns anos, tempo que os economistas acreditam ser suficiente para criação das condições políticas para uma ampla reforma.

E como é a proposta de reforma do governo?

atual texto da Reforma da Previdência mantém o tempo mínimo de contribuição de 15 anos (180 meses) para os futuros aposentados pelo INSS, mas a eleva para 25 no caso dos funcionários públicos. A medida pode corrigir uma distorção no atual sistema. Dado que trabalhadores da iniciativa privada sofrem com o desemprego e a informalidada, tendo por diversas vezes suas contribuições não recolhidas ao INSS, algo inexistente no caso do funcionalismo público.

Além disso, a idade mínima será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com exceções para professores (60 anos para ambos os sexos), policiais (55 para ambos os sexos), e o segurado especial (55 para mulheres e 60 para homens).

A transição prevê idade mínima de 53/55 anos para o INSS e 55/60 para servidores em 2018. As idades sobem um ano a cada dois anos (54/56 anos em 2020 no INSS, por exemplo), alcançando o previsto legalmente em 2028 para os funcionários públicos homens e apenas em 2038 para os homens do setor privado.

Antes com alterações profundas, a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (que, em tese, pagaria um salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência pobres, mas foi desvirtuado de acordo com técnicos do governo) foram excluídos do texto da reforma.

A nova legislação também proíbe o acúmulo de pensões somada a aposentadoria acima de dois salários mínimos e prevê que as contribuições sociais deixem de ficar submetidos à Desvinculação de Receitas da União (DRU).

O que significa não fazer uma Reforma na Previdência?

Na última década, os gastos da Previdência Social cresceram fortemente ano após ano.

Segundo os dados do Anuário Estatístico da Previdência Social, o crescimento anual médio desse gasto de 2005 a 2015 foi de 5,3%, mais do que o dobro do crescimento do PIB no período, de 2,5%, como mostra o Gráfico 1, abaixo. Esse crescimento fez com que o peso da Previdência sobre o orçamento chegasse a mais de 40%, limitando a possibilidade de redução de impostos ou investimentos em áreas mais prioritárias, como educação e saúde.

Fonte: AEPS 2005 e 2015; IBGE

Isso decorre de um rápido envelhecimento populacional, que leva a um aumento contínuo da parcela de aposentados, pressionando os gastos previdenciários. Enquanto o Gráfico 2, abaixo, expõe a razão de aposentados sobre população por faixa de idade, o Gráfico 3 mostra como a população mais idosa tende a crescer cada vez mais rápido, de 8% da população total em 2015 para cerca de 20% em 2060.

Fonte: PNAD 2015

Fonte: Projeções demográficas do IBGE de 2013

Analisando cada despesa da Previdência Social, percebe-se que, de 2005 a 2015, os benefícios que mais cresceram foram os ligados à idade avançada, principalmente os considerados assistências. Entre os que cresceram acima da média do gasto total, como mostra o Gráfico 4, foram: a aposentadoria por idade, aposentadoria rural e os benefícios assistenciais do LOAS.

Fonte: AEPS 2005-2015

Ao analisar o peso de cada um dos benefícios no gasto total da previdência, percebe-se que grande parte dos benefícios cujos gastos têm maior peso são justamente os que mais vêm crescendo, sendo estes: Aposentadoria Urbana por Idade, Aposentadoria Rural por Idade e LOAS/RMV Urbano, cada um representando pouco mais de 10% do custo total da Previdência Social.

Fonte: AEPS 2005 e 2015

É possível fazer uma previsão dos gastos com aposentadoria de acordo com as projeções demográficas a partir de uma decomposição contábil. Em 2015, elas custaram 5,3% do PIB no ano de 2015. Tal despesa pode ser decomposta em três fatores, explicitados abaixo: a proporção de aposentados dentre os idosos (taxa de atendimento); a proporção de idosos dentre a população geral (taxa de dependência-idosos); e a proporção entre o valor médio das aposentadorias e o PIB per capita.

Aposentadorias/PIB = (Aposentados/Idosos) x (Idosos/População) x (Aposentadoria Média/PIB per Capita)

Trata-se de uma igualdade contábil – ou seja, ela é sempre verdadeira. Como os dois primeiros fatores são demográficos e dependem apenas de previsões facilmente acessíveis do IBGE, fica fácil saber que o terceiro fator (a média as aposentadorias em relação ao PIB per Capita) fechou em 46% em 2015. O crescimento do PIB também pode ser estimado por projeções como as do FMI, as mais recentes até agora, e, felizmente, há estimativas até 2021. A partir de então, o crescimento do PIB pode ser simulado com três cenários: um de crescimento de 1,5% ao ano (pessimista), outro de crescimento de 2% ao ano (médio), e outro de crescimento de 2,5% ao ano (otimista). Outra hipótese implícita é de crescimento do valor médio das aposentadorias de 1,5% ao ano, uma estimativa otimista.

O gráfico 6, abaixo, faz a representação gráfica das projeções de gasto com aposentadorias. Segundo os resultados, no melhor cenário, teremos em 2037, 20 anos depois, um gasto com aposentadorias de 8,3% do PIB, três pontos percentuais a mais do que em 2017, em um cenário de congelamento dos gastos federais. No pior dos casos, as aposentadorias custarão 9,6% do PIB, um aumento de mais de 4 pontos percentuais do PIB.

Fonte: AEPS 2015; IBGE; Projeções Demográficas IBGE (2013); PNAD 2015

Com isso, percebe-se que uma reforma da previdência se torna absolutamente urgente, tendo em vista as projeções de crescentes gastos para o futuro. E, como se viu pela composição dos gastos previdenciários, essa reforma deve se concentrar principalmente sobre as aposentadorias por idade, as aposentadorias rurais e o LOAS/RMV, que concentram a maior parte do crescimento do peso da Previdência Social sobre as contas públicas.


Italo Cunha, Ivanildo Santos Terceiro, Lucas Bellinello, Nicholas Leviski, e Raphael Ryutaro Sakamoto são membros do Students For Liberty Brasil (SFLB).

Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, basta submeter o seu artigo neste formulário: https://studentsforliberty.org/blog/Enviar

fonte   Italo Cunha, Ivanildo Santos Terceiro, Lucas Bellinello, Nicholas Leviski, e Raphael Ryutaro Sakamoto | 29 de janeiro, 2018