Entrevista: Maurício Telles, novo secretário de segurança, fala sobre desafios que tem pela frente

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O secretário recebeu o diretor de redação, Sergio Costa, e o editor-executivo Oscar Valporto, em seu gabinete. A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira

 

 


Foto: Arisson Marinho

“Não temos tempo a perder”, diz Telles

Redação CORREIO

Índice de homicídios na Bahia e, principalmente, em Salvador e sua Região Metropolitana, é muito alto; a capital baiana tem áreas controladas pelo narcotráfico; a maior facção do crime organizado de São Paulo tem ramificações no estado e é a principal fornecedora de drogas para os traficantes locais, inclusive de outras facções.

Autor deste diagnóstico assustador, o novo secretário da Segurança Pública,Maurício Teles Barbosa, mostra que não tem medo de reconhecer o desafio que tem pela frente nem de assumir que vai precisar de ajuda de outras áreas e de outras esferas de Poder para reduzir os índices de criminalidade da Bahia. “Temos que usar as experiências que deram resultados em outros lugares e fazer as adaptações necessárias à realidade do nosso estado”, afirma Teles, 34 anos, delegado da Polícia Federal.

Para enfrentar essa criminalidade com ligações paulistas, ele aposta no modelo carioca das ocupações policiais de áreas de conflito com o tempero baiano garantido pelos seus quatro anos à frente da Superintendência de Inteligência da SSP-BA. O secretário recebeu o diretor de redação, Sergio Costa, e o editor-executivo Oscar Valporto, em seu gabinete. A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira.

O secretário recebeu o diretor de redação e o editor-executivo em seu gabinete

O governador Jaques Wagner tem assumido a responsabilidade pela política de segurança no Estado. Ele o nomeou secretário de Segurança para o segundo mandato, os próximos quatro anos, a reta final para a Copa do Mundo. Isso não aumenta o peso de sua responsabilidade como executor desta política?
Pelo contrário. Facilita. Dá respaldo. Ajuda a integrar todas as áreas para que a política de segurança tenha mais recursos, contribuições de todas as áreas e seja bem- sucedida. O Pacto pela Vida (de redução de homicídios) é isso. Um programa de governo que integra o trabalho da Segurança com outras secretarias e a participação da sociedade.

O crime na Bahia é mesmo organizado?
Nós temos quadrilhas organizadas que atuam hoje no tráfico em Salvador e no interior do estado que compram suas drogas com traficantes de São Paulo. As rotas de entrada das drogas no país passam principalmente por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. São Paulo é o entreposto. Uma facção paulista controla a distribuição de drogas para o Nordeste.

O PCC?
Não vou fazer propaganda de facção criminosa nenhuma porque reforça a identidade dessas facções principalmente no interior do sistema prisional. A imprensa do Rio já entendeu essa dinâmica e não cita mais os nomes das facções. Isso incentiva a sua prática e lhes dá visibilidade.

Que facções que mereçam esse nome existem na Bahia?
Temos três grandes facções em Salvador e na Bahia. Nossa preocupação maior é com a facção paulista que tem um braço aqui e atua fortemente no fornecimento de drogas para as outras duas facções. Em alguns locais, ela vende de forma direta. Em outros, abastece. É uma lógica empresarial que nós temos que desestruturar no seu fluxo econômico. Além das prisões e apreensões, precisamos fazer o sequestro e bloqueio de bens e contas bancárias. Cada quadrilha dessas fatura por dia, numa atividade mínima, R$ 100 mil. Se não cortarmos o fluxo financeiro, o trabalho não terá a eficácia desejada.

Essa facção paulista enxergou na Bahia oportunidade de expandir os negócios como faria uma grande empresa. É isso?
Depois de 2006, quando essa facção levou pânico a São Paulo com uma onda de ataques, ela preferiu adotar uma forma de ação muito mais oculta. A lógica foi a de conseguir atuar na distribuição. Assim, eles chegam a atuar em outros países. O narcotráfico cresceu muito nos últimos cinco anos e se expandiu nacionalmente.

Além de São Paulo e Bahia, onde mais essa facção atua?
Principalmente através dos presídios de estados que fazem fronteira com outros países: Paraná, Mato Grosso do Sul. No Nordeste, em Recife e em Sergipe.

Como é feita esta distribuição de drogas para cá?
Nós já temos o diagnóstico das rotas de entrada, identificamos os maiores traficantes, suas ligações com São Paulo e onde eles atuam. As coisas começam a se tornar mais claras para a gente. A questão é como e quando agir. Também precisamos atuar no policiamento ostensivo para reprimir o tráfico no varejo. Esta será uma outra linha de atuação nestes quatro anos. Reduzir as disputas pelos pontos de venda de drogas que elevam os homicídios nestas regiões.

O senhor anunciou a adoção de um modelo que foi aplicado no Rio, o das ocupações de áreas dominadas pelo tráfico. O remédio é o mesmo. Dá para fazer um paralelo da doença?
O que ocorre no Rio é um fenômeno praticamente mundial. Acontece principalmente nos países subdesenvolvidos. O domínio da violência pelo tráfico de drogas passa pela territorialidade. O México vive isso. O programa de combate ao crime da Colômbia e o que acontece no Rio partem de uma lógica de mercado. Nós temos que tirar o território deste traficante porque é nele que ele ganha dinheiro, finca suas bases e dá uma cara à sua facção. O Rio partiu de uma lógica que a Bahia também tem que adotar.

A situação não está igual. Não há áreas aqui em que nós não conseguimos entrar. Nós conseguimos. Mas quando entramos, isso ocorre de forma traumática. É isso que a gente quer evitar. Quando o traficante reage a uma ação da polícia baiana, ele produz um problema para toda aquela comunidade e pessoas inocentes são atingidas. A situação geográfica das duas cidades são parecidas. Temos que usar as experiências que deram resultados em outros lugares e fazer as adaptações necessárias à realidade do nosso estado. Não dá para perder tempo e ficar inventando, experimentando. A ronda nos bairros será para as áreas menos críticas e as Bases Comunitárias de Segurança onde houver domínio do tráfico.

Antes do sucesso da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no Rio, a imagem da polícia carioca estava muito desgastada. Aqui, ainda há um respeito maior pela figura do policial. Isso pode facilitar a implantação das Bases Comunitárias?
A ação da polícia aqui é mais eficaz no sentido de identificar e neutralizar as lideranças que têm aparecido. Os últimos foram transferidos para Catanduvas ou foram mortos em confronto com a polícia. Isso é um diferencial. O grande traficante na Bahia, quando aparece, sofre ações muito enérgicas e acabam isolados. Essa é uma resposta que o tráfico sente muito.

Qual o perfil do criminoso na Bahia? Quem e quantos são esses traficantes?
As quadrilhas de narcotráfico atuam principalmente na venda de crack e o traficante que vende esta droga é muito violento. Com as prisões do primeiro e segundo escalão do tráfico, a disputa por espaço dentro das facções e por espaço territorial tem aumentado bastante. Nossos índices de homicídios vão diminuir quando atingirmos os traficantes do terceiro e quarto escalão. O bandido que está nas ruas, que vende drogas no varejo. É difícil quantificar, porque além das quadrilhas organizadas, existe a figura do traficante independente, que tem seus próprios contatos em São Paulo e atua em alguns bairros.

E o pequeno traficante, aquele que vende crack nas ruas?
Nosso problema principal hoje é o crack. Uma droga que permeou praticamente todos os municípios no Brasil e tem um mercado consumidor (de) baixo (poder aquisitivo). Com dois, três reais se compra uma pedra de crack. Isso também tem a ver com o poderio bélico das quadrilhas. Quanto menor o valor da droga, menor o poder dele de se estruturar e armar suas bases. É uma droga que macula nossa sociedade e desagraga seus valores.

Crack não seria muito mais um problema de saúde pública do que de polícia?
É de saúde pública e é uma questão social. Quando se fala na liberação do uso das drogas, nós temos que encarar não apenas a prática da busca do prazer por quem utiliza as drogas. Mas sim todo o efeito social que isso gera. Nós temos que encarar o uso de substâncias entorpecentes como uma questão de saúde pública, mas também saber se nós teremos condições de suportar e dar apoio a esses usuários. Porque o combate ao uso do crack passa pela recuperação desses usuários, que não encontram no poder público e nos meios privados, apoio para sair do vício e acabam caindo na marginalidade.

Além do problema com o tráfico, a Bahia sofre uma escalada de ações espetaculares de quadrilhas de ladrões de banco que explodem agências, sequestram pessoas, tocam o terror na pequenas cidades. Com 417 municípios, a percepção é que há lugares desprotegidos e com a policia acuada. Qual será sua política para interior?
A entrada da droga aumentou os índices de violência em cidades como Feira, Vitória da Conquista e Itabuna, e em locais turísticos como Porto Seguro. A ligação entre o tráfico e roubo a banco é visceral. A maioria dos crimes no interior tem a participação de gente de outros estados, principalmente de SP. Fala-se muito no Rio, mas nossa preocupação principal é com os criminosos de SP. O tráfico de drogas paulista fornece armas e a matéria prima para que esses bandidos possam ir ao interior praticar o crime e voltar para suas cidades.

Em função da fragilidade de defesa destes municípios…
Sim. A questão é lógica: nós temos 417 municípios. Somos uns dos maiores estados do Brasil. Nosso efetivo policial tem sido reposto, mas ainda não consegue atender a todos os municípios. A questão do desenvolvimento econômico do país se reflete também na vulnerabilidade de nossas agências. Tem certos lugares que uma agencia bancária centraliza o dinheiro de cinco, seis cidades e tem em caixa mais de um milhão de reais. 

O enfrentamento ao roubo a banco passa pelo preparo na investigação. Temos 120 novos policiais que foram formados agora pela Polícia Militar que vão servir em missões especiais. Um trabalho de inteligência voltado para a troca de informações com a Polícia Federal,  Rodoviária e de outros estados é fundamental. É preciso saber quais são os principais assaltantes de banco, suas quadrilhas e áreas de atuação. Quem atua na Região Oeste vem de Goiás. No Norte, vem de Tocantins e Pernambuco. Eles não andam mais do que 400, 500 km pra praticar seu roubo.